Faz agora, este mês, três anos, que estava a ir para a Suécia para um lançamento europeu na Fashion Week de Estocolmo. Essa viagem mudou a minha vida. Não de uma forma superficial – ai adorei aquele universo e decidi ser blogger – como tanta gente pensou eventualmente. Falo de uma forma em que, pela primeira vez na vida, coloquei-me, como se costuma dizer, nos sapatos das outras pessoas.
Trabalhava há alguns anos numa redacção (como já expliquei neste artigo sobre ser freelancer) e sentia que não aguentava mais lá estar mas também não sabia o que podia fazer para mudar a minha vida. Nessa viagem, passei os três dias a receber mensagens violentas do meu superior. Dizia que não estava lá para me divertir mas sim para trabalhar, que não me estava a pagar para passear e que era bom que, no fim dessa viagem, conseguisse alguma publicidade. Isto pode não parecer nada de muito difícil de suportar – estava na Suécia e só tinha que desligar o telefone e fingir que não tinha roaming. É certo. Mas coloquem-lhe três anos a viver este tipo de situações para entenderem que, à data, não era bem assim com o burnout, a frustração e a exaustação atados ao pescoço.
Nesses três dias, observei as pessoas à minha volta despreocupadas, a usufruir da experiência, a travarem conhecimentos, a conversarem com outros jornalistas e, simplesmente, a trabalharem da melhor forma possível. Esses três dias foram o impulso que precisava para chegar a Portugal e começar a orientar a minha vida em prol de um objectivo: despedir-me.
Não vou voltar a falar deste assunto porque já o fiz no outro post: foram alguns meses até ter conseguido, de facto, dar esse passo. Vendi o meu carro, organizei a minha vida, falei com amigos, conhecidos, colegas, pedi opiniões e, quando o momento chegou, atirei-me de braços abertos e fé na alma.
Do burnout para a calma de trabalhar em casa
Nos últimos dois anos e meio recomecei do zero. Nos primeiros meses não fiz rigorosamente nada. Estava simplesmente numa pausa emocional depois de tantos anos numa situação física e emocionalmente desgastante. Sabia que o que queria para a minha vida era o jornalismo, escrever e comunicar mas sentia, no mais fundo de mim, que não conseguia, pelo menos tão cedo, voltar a uma redacção. Não era que não quisesse, simplesmente não tinha energia. Recebi duas ou três propostas e embora sentisse aquele dever de aceitar – tinha aquele grilo falante no meu ombro a dizer que me ia arrepender, que ia ficar sem dinheiro, que ia perder as oportunidades -, nunca o consegui concretizar porque entrava imediatamente em estado de ansiedade.
O Observador entrou na minha vida como um bálsamo. Nunca tinha feito jornalismo digital e o facto de me aceitarem como colaboradora – sem a pressão associada a um contrato de trabalho e um dia-a-dia numa redacção – foi exactamente o que precisava. E faz agora 2 anos que comecei esse percurso. Nunca imaginei que me fossem aceitar durante tanto tempo, muito menos que passasse a algo regular. E todos os dias digo, para mim, um obrigado por estas coisas que se proporcionaram.
Mas também há dias em que me sinto a pairar. Quase como se andasse aqui a brincar que trabalho quando, na verdade, passo bastante tempo em casa, o que é um luxo, eu sei. Há dias em que penso que está na hora de voltar a uma redacção e ao zumzum do dia-a-dia nonstop. Há dias em que simplesmente não consigo estar em casa. Há dias em que parece que estagnei. Há dias em que agradeço por esta fase porque leio dezenas de livros por mês. Mas também há dias em que parece que estou a sufocar por não ter um propósito como toda a gente: uma rotina, um dia-a-dia, uma obrigação. Tenho qb, porque tenho trabalho e prazos para cumprir, mas vivo tudo de uma forma tão serena e equilibrada que quase não sinto o peso dessas obrigações. E claro que isso é bom. Mas há dias em que tudo se desmorona.
Meu Deus – vou lançar um livro!
Mas depois penso: não estou a brincar. Eu escrevi um livro. Posso escrever mais dez ou vinte. Pode ser um sucesso. Pode ser um fiasco. Mas é algo que posso fazer. Todos os dias. É esse o meu propósito. Posso voltar a trabalhar numa redacção – que, de facto, quero voltar a fazer e, neste momento, sinto-me pronta para isso – mas sei que também posso continuar a escrever e a viver o meu sonho de vida: escrever livros.
Neste momento estou a viver uma fase de muitos “e se…?”. E se não for bem-sucedida? E se o livro não interessar a ninguém? E se ninguém quiser saber daquilo que tenho para dizer? E não sei se estou preparada para isso. Tenho um medo animal de falhar. Tenho medo de não conseguir voltar a escrever. De me bloquear por dentro fruto da frustração. Mas também sei que, se não o tentasse, ia continuar a ter um sonho de vida mas a ser demasiado cobarde para o (tentar) concretizar.
A seu tempo, darei mais informações sobre isto tudo. Está quase, quase mas ainda tudo fechado a sete chaves. Sinto que este poderá ser o click que pode mudar a minha vida. Que me pode aproximar ainda mais da pessoa que quero ser. E daquilo que quero fazer.
Mas, de momento, cá estou, entre folhas, livros, chá e um computador. Na cama, na secretária e em cafés uma ou duas vezes por semana. A procurar apartamentos e, ao mesmo tempo, a deliciar-me por estar com os meus pais. A pairar por esta fase de transição que sinto que poderá ser a passagem do meu eu com um sonho para o meu eu que o concretizou.
Só o tempo o dirá…
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