Eu sempre fui uma pessoa extremamente emotiva. E sempre vi isso como um defeito em mim. Choro com tudo. Por tudo. E em todas as situações. E sempre o vi como uma fraqueza. Algo em que diziam: pronto, lá vai ela começar a chorar. Choro se me irritam. Choro quando estou frustrada. Choro quando estou feliz. Choro quando me emociono. Choro com coisas que nem se passam comigo. Choro quando vou no carro e vejo um acidente. Fico ali a fungar e a limpar o ranho às mangas da camisola. Choro com todos os vídeos de crianças, animais e velhinhos no Facebook. Quando trabalhava na redação, os colegas estavam constantemente a mandar-me vídeos só para se rirem quando começava a tremer o queixo e a ficar com os olhos molhados. Choro até a ver Harry Potter, por amor de Deus. Quão mais emotiva posso ser?
Demorei 31 anos para deixar de o ver como uma fraqueza e passar a interpretá-lo com uma capacidade de expressar as minhas emoções de uma forma intensa. E isto é bom, claro. Mas também me faz sentir tudo à minha volta de uma forma violenta e profunda.
Hoje de manhã ia no carro, passei no Viaduto Duarte Pacheco e estava todo um aparato com um carro parado, INEM, bombeiros e estavam a tentar reanimar uma senhora. Deu-me a sensação de que se sentiu mal no carro, parou no meio do viaduto e pediu ajuda. Fiquei imediatamente em lágrimas e com o peito pesado. Talvez porque tinha acabado de ouvir as notícias do atentado em Manchester no concerto de Ariana Grande.
E é exatamente por isso que estou a escrever isto hoje. O mundo à nossa volta está a ruir. É impossível não viver em medo constante – eu vivo. Se vou a um festival, procuro saídas de emergência só para o caso de acontecer alguma coisa. Se estou no cinema, tento ficar ao pé da porta. Se ando no meio de Lisboa em zonas movimentadas, dou por mim a olhar para o lado e a observar as pessoas. Se vou no metro, acabo por pensar nestas coisas mais vezes do que as que gosto de admitir. E isto é atroz. Isto faz-nos viver constantemente em ansiedade social porque o medo não tem cara e pode estar à espreita em qualquer lado. Até num concerto.
Quando tinha 23 anos, trabalhei na pediatria do IPO de Lisboa. E uma das primeiras coisas que me disseram foi que tinha de aprender a desligar o chip das emoções. E não deixar que a vida das outras pessoas entrasse comigo em casa. Caso contrário não ia conseguir fazer até as coisas mais banais como ir às compras, sair à noite, ir a um concerto… porque ia estar sempre a comparar a minha vida com a das pessoas (doentes) com quem passava a semana. E isto é difícil. Talvez tenha sido das coisas mais difíceis que fiz nada vida. Sair porta fora e esquecer a doença, a infelicidade e os problemas dos outros e continuar com a minha vidinha como se nada fosse.
Mas a verdade é que isto pode soar desagradável e frio mas é exactamente a única coisa que podemos fazer. E é o que, neste momento, tento fazer no meu dia-a-dia. Há guerra. Há Trump. Há armas nucleares. Há atentados. Há Daesh. Há pobreza. Há ameaças de bombas. Há terramotos e tsunamis. Há doenças. Há tudo à nossa volta. E todas as manhãs temos de conseguir levantar-nos da cama e não deixar que o medo desta merda toda – e muito mais – nos faça sucumbir. Porque eu própria tenho dias em que quase me deixo vencer. Perdemos um pouco a motivação. Tudo à nossa volta nos parece cinzento. Mas, por outro lado, também passamos a relativizar as coisas. E a dar a cada problema a carga emocional que ele merece.
Esta semana, um amigo teve um acidente e destruiu o carro da empresa. Felizmente, não foi nada de grave mas ele desmaiou e só acordou no hospital. Depois de todos os exames feitos, foi para casa com recomendação de algum repouso. Na manhã seguinte, a empresa tinha-lhe deixado um novo carro à porta de casa e a agenda para o resto da semana. E ele? Bem, ele foi trabalhar. E eu entendo porque o fez. Eu também já o fiz no passado. Mas cheguei a uma altura na vida em que nenhum trabalho, nenhum patrão nem nenhuma profissão vale mais que a minha saúde, a minha vida e o meu bem-estar.
É nestas alturas que penso: porra, a vida é curta para caraças. Temos guerras. Temos Trump. Temos armas nucleares. Temos atentados… Temos tudo aquilo que já disse lá em cima. Então porque vamos destruir mais um bocado o (pouco? muito) tempo que temos?
Temos de continuar com a nossa vida… porque (é clichê, eu sei) não sabemos o dia de amanhã. Temos de amar. Temos de dançar. Temos de cantar. Temos de viver. Temos de comer. Temos de viajar. Temos de estar com os nossos amigos. Temos de cuidar da nossa família. Temos de gostar. Temos de trabalhar também, é certo. Mas temos de trabalhar em algo que nos faça feliz. Temos de mostrar a toda a merda que está à nossa volta que continuamos a querer viver.
E temos de deixar o medo lá fora. Não de casa – porque ele está na rua e em todo o lado – mas da nossa vida.
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