No fim de semana fui ver as 50 Sombras (de Grey, porque continuo a dizer assim) Mais Negras com as minhas amigas numa sala constituída maioritariamente por mulheres que se expressaram em alto e bom som à medida que as cenas iam correndo no ecrã – o que foi bastante divertido e obviamente que eu contribuí para os gritos de excitação com muitos uiiiii e ohhhh pelo meio. E embora não seja um filme com uma grande mensagem ou que nos deixe a pensar ou mude a nossa a vida, é um filme bastante divertido para se ver desde que se tenha a mente e espírito aberto para o facto de que nada do que estamos a ver é real. E não, nenhum homem nos vai encher uma piscina com rosas porque nos ama muito.
O ano passado escrevi no Observador sobre o impacto que o cinema, a literatura e a televisão têm nas nossas relações porque continuam a perpetuar expectativas erradas sobre o amor e a condenar-nos à infelicidade e insatisfação. E as Sombras de Grey têm todos estes ingredientes do princípio ao fim.
Este não é um filme de sexo. É um romance com o príncipe no cavalo branco que, além de lutar de espada, também nos quer bater na cama
Primeiro, este não é um filme sobre bondage ou sexo maluco. É basicamente um filme sobre rapaz-salva-rapariga que entra pelo imaginário de todas as mulheres. A procura incessante pelo homem maravilhoso que nos vai salvar de todos os nossos problemas e isto é absolutamente estúpido e irreal. Cria noções de falsa intimidade, problemas de comunicação e torna o processo de nos apaixonarmos como algo simples e sem esforço – Ana entra no escritório de Grey e ele apaixona-se por ela. E, vamos lá, isto não existe. Apaixonarmo-nos implica tempo para as pessoas se conhecerem, dedicação em conquistar e uma boa dose de romance à mistura para apimentar.
E pergunto-vos: já alguém se apaixonou à primeira vista ao entrar numa sala? Olharam e pronto, já sabiam que era aquela pessoa? Tiveram um sinal? O coração tremeu? E depois descobrem que, além de fiel, maravilhosa e perfeita, essa pessoa é milionária com 27 anos e compra-vos um carro, um iPhone 7 e um Mac para trabalharem? E depois vocês têm problemas no trabalho e ela compra a empresa onde vocês trabalham e vocês recebem uma promoção? Wow.
Este é um livro/filme que toca a nossa essência lá no fundo – os nossos sonhos, desejos e expectativas de adolescentes que, ao longo da vida, nunca morrem e ficam bem lá no fundo fechadas na gaveta. E isto já vem de trás: dos filmes das Disney e dos romances que lemos na nossa adolescência. Mas, agora, com um pouco de sexo picante à mistura que faz qualquer vida sexual parecer desenxabida e cinzentinha.
Na nossa vida real temos muita merda a acontecer e não há Grey que nos salve
Além disto, há muitos outros problemas que as 50 Sombras não focam. Na nossa vida real, nós temos imensa merda a acontecer à nossa volta: temos de acordar as sete da manhã para trabalhar, filhos para preparar e levar à escola, patrões a chatear-nos a cabeça, reuniões e deadlines, consultas para marcar, banhos para dar, jantar para fazer, mochilas para preparar para o dia seguinte, casa para limpar, trânsito e, mesmo para quem não tem filhos, há casa, jantares para fazer, almoços para preparar, mais trânsito, jornadas laborais de mais de nove horas, pouco dinheiro e pouca vida social para apimentar.
Então quando é meia noite e conseguimos finalmente deitar-nos na cama, não sobra muito mais tempo para sessões de sexo e preliminares de lingerie ao espelho, sexo oral na casa dos pais dele, experiências picantes com sex toys, jantares em restaurantes chiques que terminam com sexo arrebatado dentro da banheira ainda vestidos porque a paixão é imensa e nem dá tempo para esperar.
E depois há as parvoíces que alimentam a fantasia e podem deixar muita gente a deprimir. Aqui há dinheiro, barcos, bailes de máscaras, presentes caros, muitos dedos em locais públicos, despir cuecas em restaurantes, pedidos de casamento em piscinas com rosas, fogo de artificio, motoristas que nos levam onde queremos, viagens em aviões privados, helicópteros e, voilá, uma sala cheia de sex toys.
Se vale a pena ver este filme? Claro que sim. A banda sonora é, ao contrário do primeiro filme, bem romântica e lamechas. As cenas de sexo são óptimos preliminares para se ver em casal. E para quem vai com as amigas, como foi o meu caso, é um filme divertido para nos rirmos e assobiarmos de cada vez que aparecem os glúteos do Mr. Grey.
O que não podem fazer? Sair de lá a pensar que também gostavam de ter isto na vossa vida. Este é um filme para nos fazer fantasiar e, quem sabe, explorar algumas das nossas próprias fantasias com a pessoa que temos ao nosso lado. Não para ir numa demanda em busca de uma personagem de um livro ainda por cima meio totó.
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