Tenho diários que datam desde 1998 – provavelmente a altura em que, aos 12 anos, comecei a ter noção das minhas emoções e da necessidade de as expressar. Se, inicialmente, estes desabafos se baseavam em pequenas anotações nas minhas agendas – hoje aconteceu isto e aquilo, tive teste de matematica e comi uma bola de berlim -, com o crescimento, passaram a longas narrativas que espelhavam os meus estados de espírito. Em 2000, começava a minha longa paixão pelo Johnny da mota azul – que, nostalgicamente, já falei aqui e aqui – e as páginas e páginas que narravam a epopeia magnífica que foi esta (não) relação – só existia da minha parte, se é que me entendem. Na inocência dos meus 14 anos, ele era o ser mais mágico à face da terra, a expressão de tudo o que significava a palavra amor (na minha cabeça) e a forma como fantasiava com a presença dele no meu dia-a-dia.
Se tivesse nascido em 2002 e tivesse agora 15 anos, provavelmente estas epopeias estariam espalhadas pelo Facebook e Instagram da forma mais anti-natural possível – a exposição da minha história de amor seria avaliada e julgada por todos e, pior ainda, estaria disponível para ele fazer a sua própria leitura no ecrã do seu computador. Eu costumo brincar e dizer que se tivesse vivido esta paixão nos dias de hoje, o mais certo é que ele me tivesse levado para trás do pavilhão para uns amassos ao invés de me dar chupa-chupas e dois beijinhos na cara – que era o que ele fazia. Mas isto, para mim, é a leitura que faço de uma nova geração que, aos 16 anos, está a fazer vídeos de sexo no Main (notícia que saiu aqui) e que faz juras de amor através de fotografias em roupa interior.
Quando partilhamos coisas pessoais com toda uma plateia virtual
Sei mais da vida de muita gente através do Facebook do que através de conversas reais com essas pessoas. Isto porque elas partilham tudo. Partilham tanto e demasiado que tornam a sua vida uma telenovela disponível para qualquer pessoa poder ver. E é possível que muita exposição seja feita sem grande consciência disso. Estamos chateados – partilhamos qualquer desabafo. Estamos tristes – partilhamos uma música. Estamos felizes – partilhamos uma foto. Estamos apaixonados – partilhamos corações e amo-te virtuais. Partilhamos toda a nossa intimidade com um público que, sendo o mais pragmática possível, não se interessa pelo que estamos a dizer. São coisas pessoais que deveriam ser partilhadas connosco próprios ou, em última análise, com os nossos amigos mais próximos.
Daqui a uns dias vou falar numa conferência sobre segurança na internet e este é um dos temas que vou abordar – a forma como nos expomos de uma forma tão íntima e despropositada numa rede que, ao contrário do que gostamos de crer, não tem só os nossos amigos pessoais. Usamos o Facebook como saco de boxe para exteriorizar as nossas frustrações a todos os níveis – pessoal, emocional, escolar, profissional, familiar… E se formos a pensar a fundo na quantidade de coisas que partilhamos, a grande maioria delas não faz grande sentido para ninguém a não ser para nós próprios. Então porque temos esta necessidade de partilhar?
Todas estas partilhas, no fim do dia, só nos interessam a nós próprios. Então porque usamos as redes sociais como diários?
Quando eu tinha 14 anos, comecei a escrever diários como forma de exteriorizar as minhas próprias emoções, frustrações, pensamentos e sentimentos. Escrevia, lia e relia como forma de fazer a minha própria interpretação das coisas que vivia. Escrevia-as para as analisar comigo mesma – não para receber likes nem comentários. Não havendo Facebooks, todas estas partilhas eram feitas comigo própria: estados de espíritos, tristezas, músicas, paixões, fotografias, frustrações, zangas e até momentos de ódio. Porque, ao fim e cabo, a única pessoa a quem interessavam era simplesmente a mim própria.
Não estou com isto a dizer que nunca usei o Facebook como palco das minhas emoções. Claro que sim… Já partilhei músicas com mensagens subliminares, já publiquei fotos mais sensuais para mostrar a algum tipo que estava melhor sem ele, já tive discussões virtuais sobre assuntos pessoais, já partilhei com o mundo fotografias de amor e paixão. Mas, como em tudo na vida, aprendi com as minhas próprias experiências – e aprendi a não usar o Facebook como um diário público e aberto a qualquer pessoa ler.
E – agora vou fomentar a escrita – não há maior prazer do que reler coisas que fizemos, sentimos ou pensámos e percebermos como mudámos. Como aprendemos. Como crescemos com essas mesmas coisas que fizemos, sentimos ou pensámos. Se acham que um diário é algo meio pateta de se fazer, sigam o meu exemplo: escrevi sempre em cadernos personalizados à minha própria maneira. Sempre que estiverem chateados com qualquer coisa, escrevam. Se estiverem felizes, escrevam. Se tiverem dúvidas, escrevam. Se estiverem tristes, escrevam claro. E depois, quando sentirem necessidade, leiam tudo o que escreveram.
Não vão ter likes nem comentários, é certo. Mas vão conhecer-se a vocês próprios ainda mais e melhor.
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