Este post já andou aos pontapés por aqui até me ter decidido a acabá-lo e – o que já foi mais difícil – publicá-lo. Mas este espaço é meu. É o meu escape, é onde tenho a minha liberdade de expressão e ninguém me pode julgar pelas coisas que sinto.
Para mim, escrever sempre foi uma coisa de gente erudita. Era para os Josés Rodrigues dos Santos, os Antónios Lobo Antunes, as Agustinas Bessa-Luís. Nunca sequer imaginei que houvesse espaço para mim, com ou sem digital. E quando entrei nesta era, poderia o digital tornar-me uma pessoa da literatura? Ha dois anos, teria dito que não. Mas o mundo muda e nós temos de o acompanhar, mesmo que nos pareça demasiado difícil. E é isto que me deixa frustrada em Portugal.
João César das Neves escrevia no Diário de Notícias em 2012 que Portugal é um país espantoso, com um povo capaz de feitos únicos e maravilhoso mas está há séculos dotado de uma elite pedante, mesquinha e medíocre. Claro que o economista não se referia ao meu drama pessoal mas eu, muito humildemente, costumo usar as suas palavras para me exprimir.
Se não tens cunhas, nem amigos de amigos a trabalhar aqui e ali, és apenas uma formiguinha a tentar, a tentar, a tentar…
Deixem-me já dizer uma coisa: jamais me vou comparar a um José Rodrigues dos Santos ou a um João Tordo ou a uma Isabel Stilwell mas nem tenho de o fazer. Há espaço para tudo e todos. Tal como há espaço para os romances, para a auto-ajuda, para a política, para a não-ficção, para a poesia, para a ciência, para tudo e mais alguma coisa. Até para fenómenos (com os quais não me identifico mas respeito) como Pedro Chagas Freitas, Raul Minh’Alma ou Gustavo Santos. Vai sempre haver um leitor a identificar-se com o quer que seja.
O problema é que Portugal é um país erudito com um lobby literário fechado, restrito e de difícil acesso. Mas isto sou eu que o digo, eu que até gosto de acreditar que só me tem faltado estar no sítio certo no momento certo. Sou uma escritora das novas gerações e posso até atrever-me a dizer que me juntei a esta nova vaga de escritores que está a colocar esta geração digital a ler. Porque cresci a ouvir que se não acreditamos no nosso trabalho, mais ninguém acredita. E destaco uma frase de Sylvia Rhone (uma das maiores executivas da indústria da música e que acreditou e lançou artistas como Drake e Nicki Minaj) onde ela diz que vivemos num mundo onde os tectos de vidro ainda existem, a chave é nunca desvalorizar nem menosprezar o nosso trabalho.
Ora, o meu livro não é o santo Graal da literatura mas é um livro que fala sobre o que é ser-se mulher em Portugal nos dias de hoje. Fala sobre amor, sobre relações e sobre a vida. É um livro de e para mulheres, divertido e actual. E se não há um apoio aos jovens escritores, como poderá a literatura portuguesa enriquecer e evoluir?
Mas eis que entra o digital e o lobby literário torce logo o nariz porque – ai meu Deus – esta gentinha das redes sociais sabe lá o que é escrever. E este é – para mim, perdoem-me – o maior problema dos portugueses. Se temos amigos nos sítios certos, chegamos a todo o lado. Em meia dúzia de meses poderemos ter todo o sucesso do mundo, qualquer que seja a nossa área. No meu caso, se vendo através do digital, não presto. Se sou uma influenciadora (ainda que literária), não tenho crédito. E isto é o pedantismo português a falar.
Se pegar em exemplos exactamente iguais nos Estados Unidos, a história já é bem diferente. Vejamos:
Emma Cline, 28 anos, lançou As Raparigas em 2016, esteve 3 meses nos best-sellers do NY Times, foi totalmente apoiado pela imprensa e lojas desde o início, está a ser adaptado para filme;
Jessica Knoll, 30 anos, lançou A Rapariga Mais Sortuda do Mundo em 2015, esteve 4 meses nos best-sellers nos NY Times, foi totalmente apoiado pela imprensa e lojas desde o início, com direitos para tradução para 30 países, está a ser adaptado para filme;
Angie Thomas, 29 anos, lançou O Ódio que Semeias em 2017, totalmente apoiado pela imprensa e lojas, está a ser adaptado para filme;
Rainbon Rowell, 45 anos, escreveu o primeiro livro Anexos em 2011 (com 37 anos), Fangirl e Eleanor & Park em 2013, ambos foram escolhidos pelo NY Times como dois dos melhores romances Young Adult do ano, bem como pela Amazong e pelo Goodreads, o Eleanor & Park está a ser adaptado para filme.
São todos grandes obras literárias? Claro que não. São livros escritos por jovens com uma linguagem jovem, para um publico jovem e que retratam a realidade dos jovens. E são best-sellers.
Claro que nem sequer vou comparar os mercados. Nós somos apenas uns pequeninos 10 milhões. Mas a premissa é a mesma. Nos Estados Unidos, no Brasil e até noutros países da Europa como Reino Unido ou Espanha, há um apoio enorme aos novos escritores que escrevem para as novas gerações. Mas Portugal continua agarrada à literatura erudita e aos escritores da velha guarda – que são maravilhosos, eu sei, mas não é por se apoiar os novos escritores que se desdenha dos grandes da literatura portuguesa. E é aqui que reside o grande erro português.
O problema começa já na imprensa portuguesa
Digam-me uma revista ou um jornal em Portugal que tenha um segmento de literatura relevante? Posso estar errada porque é impossível acompanhar tudo mas pegando nas maiores publicações em papel (e respectivos sites), alguma tem um incentivo à leitura jovem? E quando digo jovem, não me refiro aos adolescentes de quinze anos. Refiro-me à geração 20-40 anos que, sim, ainda é jovem e quer ler coisas jovens. Folheei todas há duas ou três semanas e, como já esperava, o pouco que falavam de livros era opiniões ou crónicas (que é sempre muito intangível), a maioria de política, história e temas afins. Tudo erudito e, mais uma vez, para um público de nicho. E nenhuma tem um cartaz literário. Longa vida à Estante da Fnac que chega a vários tipos de leitores e aborda todas as categorias da literatura sem desprezo por uma ou por outra.
Quando entramos nas revistas femininas, a história repete-se: são muito focadas em moda, beleza, celebridades, comida, desporto. E livros? Lembro-me de quando trabalhava numa – que não me apetece dizer o nome – haver uma página dedicada a livros e era a página mais horrorosa, menos apelativa e mais chata de toda a revista. Eram cópias das sinopses com letras pequeninas. Estava ali para encher e não tanto para incentivar alguma mulher a ler.
Nos últimos meses, posso dizer-vos que contactei todas as revistas e jornais possíveis e imaginários. O meu propósito? Falar sobre a literatura young adult, sobre a nova geração de escritores e, já agora, sobre mim: uma autora jovem que colocou uma geração digital a ler. Posso dizer isto? Acho que sim. Porque antes do meu livro, nunca antes tinha visto tantos livros nas redes sociais. E porque não me foco só no meu (seria auto-promoção doentia), criei uma rede social literária e, sim, estou a influenciar as pessoas a ler mais e a voltarem a encontrar prazer nos livros. Podem não ser cinco mil pessoas. Podem ser só quinhentas. Ou vinte. Mas estou.
Nenhuma me respondeu e a minha vidinha continuou.
Isto até o editor de um dos principais jornais em Portugal me ter enxovalhado e arrasado com um email destrutivo onde me perguntou quem era eu para achar que tinha posto alguém a ler e que pensar isto sobre mim própria só podia ser uma audácia e um lapso. Para terminar, o senhor acrescentou que o famigerado jornal “não tem por hábito escrever sobre livros de auto-ajuda porque aqui temos uma cultura de exigência grande, porque é isso que os leitores esperam de nós e é esse o espaço que preenchemos no mercado”.
Ele poderia ter dito muitas coisas: que não se interessavam por literatura jovem, que o tema do meu livro não encaixava na linha editorial, que um livro sobre a minha geração não ia ao encontro dos leitores do jornal. Era válido. Mas respondeu-me de forma destrutiva como se o meu trabalho fosse uma merda e eu muito atrasada mental por me auto-valorizar.
Mas mesmo que o meu livro fosse de auto-ajuda (ele nem sequer o abriu…), como pode um profissional em nome de um jornal destruir de tal forma um autor? Ele não sabia quem estava deste lado ou o impacto que as suas palavras tão destrutivas poderiam vir a ter em mim. Na verdade, já podia fazer um papel de parede para a parede da minha sala com todas as fotografias que há do meu livro espalhadas pelas redes sociais (podem ver umas trezentas neste post). Mas quem sou eu para a achar que poderei ter dado uma ajudinha para esta geração digital ler mais?
Se soubesse o que sei hoje, acreditem, tinha feito o que muito boa gente faz: uma primeira edição com 200 livros para, em três meses, dizer que tinha um livro que já ia na quinta edição. Mas optei por fazer uma primeira edição grande para, a cada reedição, sentir que era mesmo um sucesso pessoal. Falhei. Porque me esqueci que Portugal é um país de aparências.
Depois disto, quase que prefiro voltar ao registo de sempre em que ninguém responde mas também ninguém me ofende.
O que precisa de mudar em Portugal?
Tudo. Na semana passada conversava com a editora de ficção de uma editora portuguesa e ela concordava como o nosso mercado tem de mudar. Como os novos autores e a literatura Young Adult tem de crescer e ser apoiada. Estamos a viver uma geração digital que, infelizmente, está a perder a cultura da leitura. Se não conseguimos conquistar os jovens de hoje com a literatura, que adultos estamos a criar? Se não apoiamos as novas ideias portuguesas, como irá a nossa literatura evoluir? Se não conseguirmos repensar a literatura e adaptá-la aos dias de hoje, quem serão os futuros leitores?
Tenho falado com imensos jovens que tinham boas ideias e foram rejeitados por todas as editoras. Acabaram por ir parar à Chiado Editora e hoje têm as suas ideias óptimas atiradas para o lixo em edições de autor que nem sequer estão nas lojas à venda. Como é que isto acontece? Como é que se fecham tantas portas?
Nos últimos meses tenho sentido na pele o desprezo de um Portugal altivo e elitista que vira as costas a tudo o que são fenómenos digitais. Relembro que dois grandes fenómenos literários – After de Anna Todd e 50 Sombras de Grey de E.L. James – começaram exactamente assim: no digital. São grandes obras da literatura mundial? Não. Mas colocaram meio mundo a ler. E isto tem impacto. Isto é relevante. Isto muda o mundo.
O meu sonho? Contribuir para isso. Gostava de descobrir novos autores portugueses, de ler manuscritos, de escrever sobre livros numa imprensa que apoia mais a literatura, de continuar a fomentar a literatura nesta geração e, acima de tudo, de continuar a escrever as minhas ideias e de contribuir para a ficção portuguesa. Quiçá, um dia, passar para outras fronteiras.
O sonho comanda a vida, eu sei. Mas às vezes é difícil conseguir continuar a sonhar aqui em Portugal.
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