Há uns tempos conheci um tipo da maneira mais fixe de se conhecer (nos dias de hoje, entenda-se). Ele conhecia um amigo meu que lhe disse maravilhas de mim e ele enviou-me uma mensagem. Tão simples quanto isso. E eu achei piada à abordagem. Claro que fui imediatamente esmiuçar o Instagram dele para entender se o ia bloquear para não me chatear mais ou dar continuidade à conversa. Não tinha selfies, não tinha fotografias no ginásio, ao espelho ou da roupa ou dos champôs ou com mil hashtags. A sua conta era privada e não tinha mil seguidores. E médico, percebi então. Não dava erros ortográficos. E até dizia piadas. Não enviava mil mensagens durante o dia porque, lá está, é uma pessoa ocupada. Trabalha, tem um carreira, tem uma vida e ela não está no ecrã do telemóvel. Já estão apaixonadas? Pois, foi o que eu pensei.
O primeiro encontro foi como Romeu e Julieta se o Romeu fosse alérgico a gatos e estivesse quase a morrer de alergia na presença da Julieta
A primeira coisa que notei (e fiz uma nota mental para agradecer a santo António) foi que ele era alto. E perdoem-me todos os baixos mas eu gosto de um homem alto. E ninguém pode ser julgada por isso, certo? Encontrámo-nos a seguir ao jantar porque à noite tudo fica mais misterioso e, depois de lhe perguntar se ele era um violador e ele ter dito que não, fomos simplesmente andar na praia. Eu, pessoalmente, nunca me sinto propriamente à vontade neste tipo de situações. Todos os meus namorados e paixonetas foram tipos que já conhecia ou que conheci em contexto de grupo. Posso contar pelos dedos as vezes em que me coloquei numa situação destas sem saber muito bem o que fazer ou dizer porque, na verdade, não conheço a outra pessoa. Não correu muito mal porque ele falou… dele. Mas falou. Contou histórias de trabalho e perguntou sobre a minha escrita. Não foi uma noite propriamente surpreendente, se é que me entendem. Ainda assim, fiquei curiosa. E curiosidade gera tesão. E tesão, já sabem como é, leva à paixão. É só deixarmo-nos levar na onda.
No meio de tantos, tantos, tantos idiotas com t-shirts em V e selfies ao espelho, foi refrescante estar com alguém inteligente, com objectivos de vida, que gosta de ler e queria mesmo, mesmo que isto funcionasse. E sabem que mais? Vou parar com as qualidades. Estava a ser tudo muito Romeu e Julieta mas acrescentem a parte em que ele é alérgico a gatos e estava prestes a ter um ataque de asma. Só com a minha presença.
Tirando a quase morte súbita, foi um encontro agradável. Com potencial para repetir.
O segundo encontro tinha tudo para rolar um beijo mas as câmaras não me salvaram
Deixem-me só clarificar já aqui uma coisa: foi ele que insistiu num segundo encontro no fim-de-semana seguinte. E a minha boa vontade ficou claramente expressa quando (após me ter tido que ficava enjoado com o cheiro das pastilhas de canela) fui comprar pastilhas de mentol antes de me encontrar com ele. Promissor, não?
Desta vez fomos a um café à beira mar com uma vista do caraças e boas perspectivas de, após o pôr do sol, seguirmos para um jantar. Mas, mal cheguei ao pé dele, perguntou-me se queria ir a pé e, depois de eu ter dito que não, ele respondeu que com a minha vida sedentária não ia a lado nenhum. Eu ri-me. Podia ser uma piada (mais tarde percebi que não) mas se tivéssemos chegado à parte em que ele teria a sorte de me despir a roupa, teria visto como, afinal, a coisa não está assim tão má para estes lados. Disse-lhe que me podia levar às cavalitas. E ele podia ter feito isso e bang, bang, bang, acabava por rolar um beijo e quebrava-se o gelo. Mas ele respondeu: já fiz o meu exercício hoje. E entrámos no carro.
Fomos a viagem toda (no carro dele) em silêncio. Só foram cinco minutos mas, acreditem, foram cinco minutos dolorosos e mal sabia eu o que estava para vir. Quando saímos e começámos a andar, perguntei, em brincadeira, se ele já estava a ficar com asma ou se queria que me afastasse mais. Resposta possível? Não vou ter asma hoje porque tomei um anti-histamínico por isso anda cá, bang, bang, bang, puxava-me contra ele e, voilá, quebrava-se o gelo. A resposta dele? Por enquanto ainda está tudo controlado. E continuou a andar à minha frente.
Quando chegámos ao café, tirei o casaco. Tinha vestidas umas calças Levi’s vintage já com uns 15 anos e cujo botão, volta e meia, desaperta-se por já estar tão gasto. Depois de tanto tempo em silêncio, a primeira coisa que me disse quando nos instalámos à janela do café foi: tens o botão das calças aberto. Eu ri-me e respondi: se calhar é porque estou gorda e as calças já não aguentam. Resposta possível: Não estás nada gorda, estás óptima, bang, bang, bang puxava-me e, voilá, um beijo e quebrava-se o gelo. A resposta dele? Pois, se calhar é isso.
Três oportunidades para quebrar o gelo dadas de bandeja e nada.
Por esta altura eu já estava a bufar e a ter a certeza absoluta que este tipo jamais iria chegar próximo da minha boca, quanto mais do resto. Mas continuou a piorar. Imaginem tudo o que de mau pode acontecer quando estão num encontro? Isto foi pior. Ele não falava. Estava ali a olhar para a janela e eu a olhar em volta sem saber muito bem se me ia embora, se lhe atirava com uma pedra de gelo à cabeça. Estava no carro dele, não tinha muito por onde fugir, tive de encetar uma conversa.
Se eu já tinha achado aqueles cinco minutos no carro dolorosos, os quarenta e cinco que se seguiram foram de cortar os pulsos. Resumiu-se a uma conversa forçada comigo a fazer perguntas para não ficarmos em silêncio e ele a responder como se estar ali fosse a pior coisa da vida dele – como um exame ao recto.
Revelou-se daquelas pessoas presunçosas e arrogantes. Porque ele é médico, porque ele tem muito trabalho, porque ele está a fazer um paper para o congresso nacional não sei do quê, porque ele tem isto e ele tem aquilo e tudo o que eu faço é irrelevante porque, hello?, ele é médico e eu sou apenas uma miúda que escreve umas coisas e deita-se às duas da manhã. Eu dizia: ok estás com trabalho mas tens de conseguir desligar na tua vida pessoal. E ele respondia: Mas achas que é assim tão fácil? Só se for para ti. Não dá para desligar porque eu sou médico, não se desliga. E enquanto isto, revirava os olhos e suspirava como se eu fosse realmente muito atrasada mental. Depois de responder a uma qualquer pergunta minha, ficava calado a olhar para a janela.
Por esta altura, eu estava convencida de que isto só podia ser para um programa de apanhados e alguém iria saltar a qualquer altura para me gritar que tinha sido apanhada e tudo não passava de uma brincadeira e ele voltava a ser a pessoa normal que me tinha parecido no primeiro encontro. Mas não. Ele continuava calado e eu estava a ficar cada vez mais impaciente.
Perguntei-lhe pelo colega de casa, perguntei se era simpático. Sim, ele é fixe mas vejo-o mais no hospital do que em casa porque como podes imaginar temos muito trabalho e chegamos sempre tarde. Sim, como posso imaginar, eles são dois idiotas. Perguntei-lhe pelo cão, pelos pais, pela viagem que tinha feito, pelos amigos, pelo periquito e fiz perguntas aleatórias até ter ficado sem energia para continuar a perguntar coisas cujas respostas não estava interessada em saber.
Nem por uma única vez me perguntou uma única coisa. Nada. Nadinha. Estava esgotada e só me apetecia dar-lhe com uma cadeira na cabeça. Disse-lhe que estava na hora de ir embora e levantei-me para o obrigar também a levantar-se.
Fomos o caminho no carro dele de volta ao meu em silêncio. Quando chegámos disse-lhe: bem, bom resto de fim-de-semana, bom trabalho, boa sorte para o paper e, olha, até para o ano. Estiquei-lhe a mão para um simpático aperto de mão. Tirou o cinto, virou-se de lado para mim e ficou a olhar de sorrisinho estúpido: a sério que me vais dar a mão? E eu percebi que ele realmente não tinha experienciado o mesmo encontro que eu ou nem sequer se tinha apercebido da atitude de merda que tem. Podia ter-lhe respondido que ele tinha problemas mais sérios para resolver do que dar um aperto de mão a alguém. Podia ter-lhe dito que ele era um tipo aborrecido, pretensioso, prepotente que acha que o resto do mundo é estúpido. Podia ter-lhe dito que se era para estar naquele frete, mais valia ter ficado em casa. Podia ter dito mil e uma coisas, claro, e acreditem que me apetecia. Mas sabem que mais? Nestas situações não vale a pena sequer perder mais tempo ou alimentar ainda mais a coisa. Até porque não iria ser eu a resolver os problemas dele.
Ri-me, saí do carro e bati com a porta. Até nunca.
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