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Foto do escritorHelena Magalhães

Pensei que estava num programa de apanhados mas foi apenas um encontro com um idiota


Há uns tempos conheci um tipo da maneira mais fixe de se conhecer (nos dias de hoje, entenda-se). Ele conhecia um amigo meu que lhe disse maravilhas de mim e ele enviou-me uma mensagem. Tão simples quanto isso. E eu achei piada à abordagem. Claro que fui imediatamente esmiuçar o Instagram dele para entender se o ia bloquear para não me chatear mais ou dar continuidade à conversa. Não tinha selfies, não tinha fotografias no ginásio, ao espelho ou da roupa ou dos champôs ou com mil hashtags. A sua conta era privada e não tinha mil seguidores. E médico, percebi então. Não dava erros ortográficos. E até dizia piadas. Não enviava mil mensagens durante o dia porque, lá está, é uma pessoa ocupada. Trabalha, tem um carreira, tem uma vida e ela não está no ecrã do telemóvel. Já estão apaixonadas? Pois, foi o que eu pensei.


O primeiro encontro foi como Romeu e Julieta se o Romeu fosse alérgico a gatos e estivesse quase a morrer de alergia na presença da Julieta

A primeira coisa que notei (e fiz uma nota mental para agradecer a santo António) foi que ele era alto. E perdoem-me todos os baixos mas eu gosto de um homem alto. E ninguém pode ser julgada por isso, certo? Encontrámo-nos a seguir ao jantar porque à noite tudo fica mais misterioso e, depois de lhe perguntar se ele era um violador e ele ter dito que não, fomos simplesmente andar na praia. Eu, pessoalmente, nunca me sinto propriamente à vontade neste tipo de situações. Todos os meus namorados e paixonetas foram tipos que já conhecia ou que conheci em contexto de grupo. Posso contar pelos dedos as vezes em que me coloquei numa situação destas sem saber muito bem o que fazer ou dizer porque, na verdade, não conheço a outra pessoa. Não correu muito mal porque ele falou… dele. Mas falou. Contou histórias de trabalho e perguntou sobre a minha escrita. Não foi uma noite propriamente surpreendente, se é que me entendem. Ainda assim, fiquei curiosa. E curiosidade gera tesão. E tesão, já sabem como é, leva à paixão. É só deixarmo-nos levar na onda.

No meio de tantos, tantos, tantos idiotas com t-shirts em V e selfies ao espelho, foi refrescante estar com alguém inteligente, com objectivos de vida, que gosta de ler e queria mesmo, mesmo que isto funcionasse. E sabem que mais? Vou parar com as qualidades. Estava a ser tudo muito Romeu e Julieta mas acrescentem a parte em que ele é alérgico a gatos e estava prestes a ter um ataque de asma. Só com a minha presença.

Tirando a quase morte súbita, foi um encontro agradável. Com potencial para repetir.

O segundo encontro tinha tudo para rolar um beijo mas as câmaras não me salvaram

Deixem-me só clarificar já aqui uma coisa: foi ele que insistiu num segundo encontro no fim-de-semana seguinte. E a minha boa vontade ficou claramente expressa quando (após me ter tido que ficava enjoado com o cheiro das pastilhas de canela) fui comprar pastilhas de mentol antes de me encontrar com ele. Promissor, não?

Desta vez fomos a um café à beira mar com uma vista do caraças e boas perspectivas de, após o pôr do sol, seguirmos para um jantar. Mas, mal cheguei ao pé dele, perguntou-me se queria ir a pé e, depois de eu ter dito que não, ele respondeu que com a minha vida sedentária não ia a lado nenhum. Eu ri-me. Podia ser uma piada (mais tarde percebi que não) mas se tivéssemos chegado à parte em que ele teria a sorte de me despir a roupa, teria visto como, afinal, a coisa não está assim tão má para estes lados. Disse-lhe que me podia levar às cavalitas. E ele podia ter feito isso e bang, bang, bang, acabava por rolar um beijo e quebrava-se o gelo. Mas ele respondeu: já fiz o meu exercício hoje. E entrámos no carro.

Fomos a viagem toda (no carro dele) em silêncio. Só foram cinco minutos mas, acreditem, foram cinco minutos dolorosos e mal sabia eu o que estava para vir. Quando saímos e começámos a andar, perguntei, em brincadeira, se ele já estava a ficar com asma ou se queria que me afastasse mais. Resposta possível? Não vou ter asma hoje porque tomei um anti-histamínico por isso anda cá, bang, bang, bang, puxava-me contra ele e, voilá, quebrava-se o gelo. A resposta dele? Por enquanto ainda está tudo controlado. E continuou a andar à minha frente.

Quando chegámos ao café, tirei o casaco. Tinha vestidas umas calças Levi’s vintage já com uns 15 anos e cujo botão, volta e meia, desaperta-se por já estar tão gasto. Depois de tanto tempo em silêncio, a primeira coisa que me disse quando nos instalámos à janela do café foi: tens o botão das calças aberto. Eu ri-me e respondi: se calhar é porque estou gorda e as calças já não aguentam. Resposta possível: Não estás nada gorda, estás óptima, bang, bang, bang puxava-me e, voilá, um beijo e quebrava-se o gelo. A resposta dele? Pois, se calhar é isso.

Três oportunidades para quebrar o gelo dadas de bandeja e nada.

Por esta altura eu já estava a bufar e a ter a certeza absoluta que este tipo jamais iria chegar próximo da minha boca, quanto mais do resto. Mas continuou a piorar. Imaginem tudo o que de mau pode acontecer quando estão num encontro? Isto foi pior. Ele não falava. Estava ali a olhar para a janela e eu a olhar em volta sem saber muito bem se me ia embora, se lhe atirava com uma pedra de gelo à cabeça. Estava no carro dele, não tinha muito por onde fugir, tive de encetar uma conversa.

Se eu já tinha achado aqueles cinco minutos no carro dolorosos, os quarenta e cinco que se seguiram foram de cortar os pulsos. Resumiu-se a uma conversa forçada comigo a fazer perguntas para não ficarmos em silêncio e ele a responder como se estar ali fosse a pior coisa da vida dele – como um exame ao recto.

Revelou-se daquelas pessoas presunçosas e arrogantes. Porque ele é médico, porque ele tem muito trabalho, porque ele está a fazer um paper para o congresso nacional não sei do quê, porque ele tem isto e ele tem aquilo e tudo o que eu faço é irrelevante porque, hello?, ele é médico e eu sou apenas uma miúda que escreve umas coisas e deita-se às duas da manhã. Eu dizia: ok estás com trabalho mas tens de conseguir desligar na tua vida pessoal. E ele respondia: Mas achas que é assim tão fácil? Só se for para ti. Não dá para desligar porque eu sou médico, não se desliga. E enquanto isto, revirava os olhos e suspirava como se eu fosse realmente muito atrasada mental. Depois de responder a uma qualquer pergunta minha, ficava calado a olhar para a janela.

Por esta altura, eu estava convencida de que isto só podia ser para um programa de apanhados e alguém iria saltar a qualquer altura para me gritar que tinha sido apanhada e tudo não passava de uma brincadeira e ele voltava a ser a pessoa normal que me tinha parecido no primeiro encontro. Mas não. Ele continuava calado e eu estava a ficar cada vez mais impaciente.

Perguntei-lhe pelo colega de casa, perguntei se era simpático. Sim, ele é fixe mas vejo-o mais no hospital do que em casa porque como podes imaginar temos muito trabalho e chegamos sempre tarde. Sim, como posso imaginar, eles são dois idiotas. Perguntei-lhe pelo cão, pelos pais, pela viagem que tinha feito, pelos amigos, pelo periquito e fiz perguntas aleatórias até ter ficado sem energia para continuar a perguntar coisas cujas respostas não estava interessada em saber.

Nem por uma única vez me perguntou uma única coisa. Nada. Nadinha. Estava esgotada e só me apetecia dar-lhe com uma cadeira na cabeça. Disse-lhe que estava na hora de ir embora e levantei-me para o obrigar também a levantar-se.

Fomos o caminho no carro dele de volta ao meu em silêncio. Quando chegámos disse-lhe: bem, bom resto de fim-de-semana, bom trabalho, boa sorte para o paper e, olha, até para o ano. Estiquei-lhe a mão para um simpático aperto de mão. Tirou o cinto, virou-se de lado para mim e ficou a olhar de sorrisinho estúpido: a sério que me vais dar a mão? E eu percebi que ele realmente não tinha experienciado o mesmo encontro que eu ou nem sequer se tinha apercebido da atitude de merda que tem. Podia ter-lhe respondido que ele tinha problemas mais sérios para resolver do que dar um aperto de mão a alguém. Podia ter-lhe dito que ele era um tipo aborrecido, pretensioso, prepotente que acha que o resto do mundo é estúpido. Podia ter-lhe dito que se era para estar naquele frete, mais valia ter ficado em casa. Podia ter dito mil e uma coisas, claro, e acreditem que me apetecia. Mas sabem que mais? Nestas situações não vale a pena sequer perder mais tempo ou alimentar ainda mais a coisa. Até porque não iria ser eu a resolver os problemas dele.

Ri-me, saí do carro e bati com a porta. Até nunca.

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