Estava a ler a publicação da Ana Galvão sobre isto das redes sociais e dos perigos inconscientes que se propagam por este mundo fora e aproveitei para dizer de minha justiça. Claro que podia estar a fazer mil e uma coisas mais interessantes e proveitosas e ainda no outro dia uma amiga que discute comigo estas ideias me dizia: não vale a pena falarmos sobre isto porque ninguém quer ouvir. E é verdade, ninguém quer ouvir. As pessoas encolhem os ombros e olham para o lado. Porque, pronto, lá vem esta bater no ceguinho. Mas se eu não usasse esta minha plataforma para falar de coisas que me fazem sentido, de que me serviria tê-la? Para mostrar fotografias minhas em lingerie? (esta foi mesmo matreira, eu sei). Vamos lá:
Eu não gosto do YouTube. Não gosto porque não tenho paciência, talvez porque já sou de outra geração. Não gosto porque criou todas estas personagens que usam o público infantil e (ainda) com pouca consciência de si próprio para ganhar dinheiro e alimentar a sua fama virtual (que nem sequer é real). Eu não conheço os youtubers dos jogos e dos miúdos a que a Ana se refere, mas passam-me pelo estreito as youtubers de moda e beleza que na verdade não sigo porque haja paciência para ver alguém maquilhar-se pela quinquagésima vez. Ainda assim, gosto de ir vendo algumas coisas para me ir mantendo a par. E cheguei à conclusão (e falo sobre isto com imensa gente) que isto das youtubers são as novas Floribelas, se é que me entendem. É temporário e vai acabar porque os adolescentes vão crescer e vão querer outras coisas. E os que agora são crianças e daqui a cinco anos vão ser adolescentes, também irão gostar de outra coisa qualquer que vai aparecer, outras influenciadoras que (com um pouquinho de sorte) passarão melhores mensagens. Porque o mundo gira e é cíclico. Quando eu tinha 13 anos, ficava louca com as Spice Girls e colecionava tudo, comprava tudo, lia tudo, via tudo, sabia tudo. Estivessem as Spice Girls Instagram e à distância de um like, o meu cérebro também teria parado de funcionar temporariamente. As miúdas agora de 13 anos não têm Girl Power mas têm roupas e maquilhagem e youtubers que as incentivam a comprar mais roupa e mais maquilhagem para serem iguais a elas e ganharem de graça ainda mais roupa e maquilhagem. Não é parecido. Mas o mundo muda e as gerações mudam com ele, eu sei.
A diferença é que antigamente havia este endeusamento das estrelas. Eram pessoas distantes que habitavam outra galáxia e isso também trazia alguma consciência relativamente ao que passavam para o público. Houve um dos Backstreet Boys que foi não sei quantas vezes para reabilitação mas para o público juvenil nada disto passava. Agora temos o Piruca em Portugal que aparece com droga nas suas fotografias no Instagram (literalmente molhos de droga em pratos) e molhos de notas na mão. Não há aqui uma associação duvidosa? Mas ninguém faz nada. Ainda lhe pagam para dar concertos. Ainda o chamam para programas de televisão. E isto é assustador. Ler os comentários das crianças que ouvem as suas músicas e o têm como ídolo a seguir pode ter consequências drásticas. Porque é extremamente grave quando um cantor que fala para miúdos tem zero consciência do seu impacto.
O problema desta perda do endeusamento e da criação de estrelas virtuais que nascem da noite para o dia sem nenhum propósito levou a uma ânsia desmedida por se querer ser igual. Nenhuma miúda aspirava a ser uma Spice Girl porque as Spice Girls eram uma espécie de mitologia e, sejamos honestos, era preciso saber cantar, dançar e ter, no final do dia, um talento. Lembro-me de uma vez ter sonhado que ganhava num concurso as roupas da Geri e ter acordado com o coração a mil. Porque elas habitavam um universo meio fantasioso.
Os perigos desta falta de endeusamento que as redes sociais criaram
Ao dia de hoje, as e os youtubers falam para os adolescentes. E óbvio que ninguém é obrigado a ser um modelo ou a fazer da sua personagem virtual um exemplo a seguir, mas é preciso ganhar algum bom senso. E a culpa disto ser uma selva é de todos nós por alimentarmos esta inconsciência. E das marcas por quererem fazer dinheiro com estas estrelas virtuais, sugando-as para a saga dos patrocínios desmedidos. Mesmo quando os youtubers estão a gritar asneiras, a dizer aos miúdos para faltarem às aulas, a mostrar a sua mansão (paga pelas marcas) nojenta, suja e desarrumada, a mostrarem as suas facturas onde gastaram 700€ em porcarias, a saltarem da varanda para a piscina, a obrigarem as namoradas a fazer as suas camas enquanto se riem… e toda a gente se ri. Mas estes youtubers têm milhares de visualizações, não há um controlo (como antigamente ou ainda como na televisão) no tipo de conteúdos que acaba por ser publicado e visualizado pelo público ainda tão infantil.
Claro que tudo correria bem se as e os youtubers soubessem dizer que não. Se fossem minimamente inteligentes para pararem para pensar: epá não, o meu público tem 14 anos e dizer-lhes para faltarem às aulas ou falar de cremes para a celulite não faz sentido. Mas não. O creme da celulite paga mil e quinhentos euros por um vídeo? Bora lá minha gente!
E é aqui que isto se torna grave. Entre as mil e uma coisas estúpidas que já vi serem faladas por youtubers com milhares de seguidores da faixa etária 10-15 anos destaco patrocínios a comprimidos para dormir, cremes para a celulite, maquilhagem de luxo (Chanel, Dior, YSL e afins), roupas caras, sapatos que custam três dígitos, cremes anti-idade e mais roupas e mais sapatos e mais malas. Fotografam-se em lingerie porque ser sexy é fixe, a beber vinho na praia e são embaixadoras disto e daquilo e quanto mais caro melhor. Viajam para aqui e para ali, incentivam a usar o mbway para se fazer compras online e no meio disto tudo esquecem-se da coisa mais importante: o seu público tem 14 anos. E claro que a culpa não é só delas. A culpa é em grande parte das marcas que veem aqui potencial para divulgar as suas coisas mesmo que o target nem sequer lhes interesse. Se há quinze anos as Spice Girls divulgavam chupa-chupas, batatas fritas e desodorizantes porque se focavam no seu público e havia um controlo no tipo de publicidade que fazia sentido para elas, os novos ídolos dos adolescentes de hoje não têm ninguém a orientá-los ou a criar uma estratégia a longo prazo. As agências de influenciadores não contam porque querem fazer dinheiro à força e vão chupar o máximo que puderem de cada youtuber, de cada influenciadora sem qualquer pudor em lhes destruir a imagem e o futuro (como a Pepa e a mala Chanel porque não houve ninguém na marca que se tivesse preocupado com a imagem que ela iria passar para o público). Se a marca X de lingerie paga, toca a tirar fotografias na cama em soutien e cuecas, força. Se aquela farmacêutica paga, diz que este chá para dormir é óptimo para as insónias, força. Isto faz com que estes ídolos juvenis façam publicidade às coisas mais estúpidas e comuniquem para o seu público de 14 anos de uma forma perigosa e inconsciente.
Esta inconsciência não é tão ingénua assim. Prova disso é a tentativa constante que as youtubers têm em mostrar que o seu público, afinal, é adulto. Vejam marcas, afinal as pessoas de 20 anos seguem-me. Mas basta perder 5 minutos a ler comentários em meia dúzia de youtubers para lhes tirar a carapuça: não há um único comentário de uma pessoa adulta. E eu perdi no outro dia cinco minutos a folhear a nova revista Maria Vaidosa para sentir uma pequena dor na alma. Não havia um único conteúdo interessante ou de valor para as adolescentes, nem um testezinho de amor para saber se ele gosta, ou não, de mim. 90% da revista é roupa e maquilhagem (diga-se de passagem, bem cara e totalmente inacessível a 99% das adolescentes portuguesas). Lá pelo meio há uma entrevista ou duas a famosas portuguesas, umas dicas para esquecer o ex-namorado no Tinder (isto é assustador!), famosos cool para seguir no Instagram e pronto.
E que mensagem é essa que se está a passar à próxima geração? Uma imagem de perfeição irreal. De objectivos errados. De futuros deslumbrados. Uma imagem com valores fúteis onde tudo o que importa é teres roupa, maquilhagem e seguidores.
Andamos todos tão preocupados com o feminismo e o assédio e não paramos para pensar no que as (e os, claro) adolescentes de hoje estão a assimilar. Nas mulheres (e homens) adultas que se vão tornar graças a todas estas influenciadoras (e influenciadores) duvidosas a que nós continuamos a bater palmas e a ver, a comentar e a meter like.
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