Não faço ideia onde estava, honestamente. Consigo ter uma ideia mais ou menos cronológica da coisa, é certo: a terminar o 5º ano no Colégio Portugal na Parede. Era meio maria-rapaz, usava uma mochila de imitação de pele e umas botifarras de atacadores porque queria ser o Steven Tyler. Os meus pais tinham acabado de colocar a tvcabo e estava a entrar nas delícias da MTV internacional e do fascínio pelos videos. Ainda não sabia mas, meses depois, ia trocar as botas rock pelos top cor de laranja quando a Geri (e as Spice Girls) entrassem na minha vida e iria colocar toda a colónia de férias a fazer as coreografias das músicas. Quem leu o Diz-lhe Que Não também já sabe que viria a fazer um exame à cabeça (sem dormir) e iria ficar maluca na aula de matemática da professora Maria da Alegria e iria dizer-lhe que ouvia o sangue a correr nos pulsos.
O que eu ainda não sabia era que estava a ser lançado um pequeno personagem que iria mudar tudo e que eu iria conhecer exatamente um ano depois na feira do livro. Num primeiro impacto, e porque a minha mãe disse que podia escolher um livro para comprar, foi a capa que me chamou a atenção. Tinha alguma piada. Mas quando uma das minhas amigas me disse que era a história de um feiticeiro, lembro-me como se fosse hoje que me passou pela cabeça que tinha feito uma compra estúpida. Porque jamais iria achar piada a livros infantis sobre magia ou o raio que o parta. Porque, helloooo?, eu ouvia Spice Girls, eu dançava, eu já cantava em inglês, eu via Baywatch, eu via a MTV e até tinha um walkman com os hits da altura que incluía 4 Non Blondes e Roxette (as minhas amigas da turma ainda ouviam as Onda Choc, moda que eu já tinha atirado para trás das costas e que me evitou uma boa dose de bullying quando a Maria Moura e as amigas mais velhas do colégio me tiraram o walkman e, mais tarde, mo devolveram e disseram que ouvia música fixe) e talvez isto agora não faça sentido nenhum mas só quem cresceu nos anos 90 vai entender. Ainda não havia redes sociais nem internet e isto era o pico do ser-se cool. E comprar um livro de magia não era definitivamente nada cool.
Como estava enganada…
Da pobreza e da depressão para uma ideia que mudou o mundo
Em 26 de Junho de 1997 estava a ser publicada a primeira edição de Harry Potter e a Pedra Filosofal que viria a mudar a vida de todos nós. E a da autora que viveu 18 meses em Portugal enquanto escrevia aquilo que se viria a tornar esta saga. Hoje em dia pode parecer completamente absurdo que tenha levado anos e anos até todo o universo Harry Potter ter ganho vida. J.K.Rowling divorciou-se, perdeu a mãe, saiu de Portugal, mudou-se para a Escócia e passou pelo período mais negro da sua vida onde já afirmou que estava o mais pobre que se pode estar sem ter de viver na rua, dependendo da segurança social e dos apoios do estado. Durante esse período, aproveitou para se focar completamente em escrever a sua ideia. Confessou que passou por longos períodos de depressão e que chegou a pensar o suicídio tendo usado estes sentimentos negros que lhe passavam pela cabeça para criar os Dementors (sugadores de almas). Nada disto interessa, é verdade. Mas eu gosto de contar histórias inspiradoras porque, na falta de tudo o resto, são estes exemplos que têm de servir de gatilho para nos fazer a nós dar o salto em frente.
O primeiro livro foi escrito numa velha máquina de escrever e rejeitado por 12 editoras inglesas. Quando, finalmente, recebeu o sim de uma editora, a história é gira: o editor deu o primeiro capítulo a ler à filha de 8 anos que, imediatamente, exigiu ler o resto do livro. Mas, apesar de ter concordado em publicar a história do pequeno mágico, aconselhou J.K.Rowling a procurar emprego porque dificilmente iria conseguir fazer dinheiro com um livro infantil.
As primeiras 500 cópias que foram feitas (e distribuídas em bibliotecas) valem, hoje em dia, cerca de 30 mil euros (cada!). Tudo o resto é história e nasceu este universo que marcou para sempre a literatura e o cinema. Um livro infantil que apaixonou até os adultos menos crentes e que se tornou um marco da nossa geração.
A celebrar HOJE os 20 anos desde o lançamento do primeiro livro, há várias edições de colecionador maravilhosas para quem gosta de edições especiais. Esta é uma das que desejo, um dia, ter.
E embora já tenha lido e relido várias vezes os livros (porque consegue-se viver sempre tudo de forma diferente), foi enquanto tirava esta fotografia que percebi que o meu Cálice de Fogo desapareceu. Devo ter emprestado a alguém que nunca mo devolveu.
E é exactamente por isso que odeio emprestar livros.
Agora estou triste…
Comments