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Foto do escritorHelena Magalhães

Obrigada bancos de Portugal, por continuarem a tratar a mulher sozinha e independente como um alien


Todos os dias de manhã, acordo, levanto-me de cama e agradeço por vivermos no século XXI onde tudo é possível. Temos liberdades como nunca antes na história, temos comunicação com todo o mundo em questão de segundos e temos novas formas de trabalho até então inexistentes – o digital, claro.

Então, porque carga de água, chegados ao século XXI ninguém me deixa comprar uma casa porque sou sozinha? Sabe menina, se comprasse em casal era mais fácil, disseram-me vários bancos. Era mais fácil? Porquê? Porque preciso de um homem para dar aos bancos do século XXI garantias de que vou conseguir, a longo prazo, pagar a dívida?


Quem é que, sem o dinheiro dos pais, tem 20% para dar de entrada para uma casa?

Mas isto é só uma fatia deste grande bolinho de treta que nos tentam fazer engolir a papo seco. Eu gostava de conhecer quem é o jovem que, aos dias de hoje, tem 50 mil euros para dar de entrada para uma casa? Digam-me lá. Dinheiro próprio, digo eu. Não me venham com dinheiro dos pais. Quem é que, a estudar até aos 26 anos em licenciaturas e em mestrados, a saltar de estágio miserável em estágio miserável, a fazer PEPAC’s do Estado a troco de 600€, a aceitar primeiros empregos aos 28 anos e, aos 31 anos, com sorte, a receber ordenados de pouco mais de mil euros, consegue, no final do dia, poupar 50 mil euros para dar de entrada para uma casa. Quem? É que eu não conheço ninguém e, bem, eu conheço muita gente.

Mas digam-me, banqueiros – com tantas ideias boas que esta gente tem para levar bancos à falência e fugir ao fisco – ainda ninguém se lembrou de criar algum tipo de crédito habitação jovem com melhores condições?

Fui ao BPI – o meu próprio banco – e, bem, por simpatia podiam fazer-me um crédito a 85%. A casa que eu queria custava 140 mil. Tenho 21 mil euros para dar? Mais os 5 mil de taxas e escritura? Olhem, não. Mas menina, faça um empréstimo pessoal para os 26 mil euros que lhe faltam, o banco poderá fazê-lo, disseram-me. Wow, obrigada. A solução que o banco me dá é endividar-me ainda mais, com mais taxas e mais juros e mais anos a pagar-lhes créditos impossíveis de serem pagos.

Então, podemos arrendar. Mas tudo o que seja abaixo de 700€ são barracas

Mas, tudo bem, eu posso comprar uma casa só aos 50 anos e, até lá, viver em casas arrendadas, é verdade. Mas, bem, voltamos ao mesmo: menina, se alugasse em casal era mais fácil. Pois era, mas eu faço parte da % mínima de mulheres que prefere estar sozinha a viver com homens que não me aquecem a alma. E agora? Vou viver para debaixo da ponte? Vou ser penalizada por isso? Não sou de confiança porque não tenho um homem atrelado atrás das minhas escolhas para dar, aos proprietários e agências imobiliárias, a garantia de que, ufff, eu tenho um homem, eu sou normal.

Claro que isto não é tão drástico assim, há casas por aí aos pontapés…… bem, não, não há. Quem é que, a receber pouco mais de mil euros consegue pagar rendas de 700 e 800€? É que tudo o que seja abaixo disso, não me interpretem mal, mas são barracas.

Quem me segue pelo Facebook tem vindo a acompanhar esta saga com as agências imobiliários e o rol de casas (já vai quase numa centena) que já visitei. Casas que, pelas fotografias, acreditei serem boas mas, chegada lá, são uma merda. Casas com humidade nas paredes. Casas com casas-de-banho que parecem uma casa-de-banho pública. Casas com cozinhas que metem nojo. Casas partidas e danificadas. Casas com chão riscado. Casas com armários partidos. E além da dificuldade que é encontrar uma casa que seja minimamente apresentável e que nos faça ter vontade de ir para lá ao final do dia, é a guerra emocional que uma pessoa vive com as agências imobiliárias.

Porque mal aparece um apartamento que não nos faz ter vontade de nos atirarmos da janela e custa menos de 650€, são 50 pessoas à batatada. E as agências imobiliárias nem estão para se chatear – entregam a casa à pessoa que seja mais fácil o proprietário dizer logo que sim para não perderem muito tempo com isso. Isto quando respondem aos emails ou atendem os telefones, claro.

A semana passada vi uma casa, em 20 ou 30, que realmente me aqueceu o coração. Era grande, num prédio só de dois andares, bem estimada e bonita por dentro. Mas, vejam lá, não tinha campainha. Coisa que a agência achou perfeitamente normal. Ora essa, era só uma campainha, não há grande problema assim. Disseram que iam falar com o proprietário para ele colocar uma campainha – será pedir muito? – mas, como no dia seguinte apareceu outra pessoa que não se importava em não ter campainha, eu fui logo colocada em segundo plano e atirada para o lixo porque esta nova pessoa não lhes estava a dar muitas chatices. Obrigada agência Casas da Linha, vocês foram mesmo porreiros.

Somos a geração rasca mas que, na verdade, vive à rasca para sobreviver

E não são só os bancos que trabalham como robots, as agências imobiliárias fazem o mesmo. Ao invés de se focarem em pessoas, focam-se em números e objectivos – o objectivo de se chatearem o menos possível com cada arrendamento.

Querem que os jovens sejam independentes mas, ao mesmo tempo, não os deixam ser. Somos a geração rasca mas são as próprias entidades que nos tratam assim. Sinto-me mais estável agora – que sou freelancer independente – do que quando trabalhava a tempo inteiro numa redacção. Mas, porque não tenho um contrato de trabalho como uma formiguinha normal das 9h às 18h e, vejam lá a minha audácia, quero alugar uma casa sozinha, já estou a dar muitas chatices.

A minha última esperança é que, algures em Fevereiro, a nova Porta65 – até aos 35 anos – seja aprovada (coisa que está para ser há meses). E a juntar à guerra emocional em encontrar uma casa, vai ser a guerra emocional para que seja aprovada no meio de milhares de candidaturas por uma entidade que, lá está, me vai tratar como um robot: números, números e mais números.

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