Nas últimas duas semanas passei por uma situação pessoal e familiar que me fez colocar toda a minha vida em pausa. A minha mãe ficou doente e dei por mim atolada de pensamentos sobre isto: o que faço da vida, a forma como vivo, o meu trabalho, as redes sociais. Porque tudo isto, de repente, me parece desprezível.
E nunca antes senti a minha profissão como neste momento. Eu escrevo. E escrever é um trabalho quase ingrato. É uma capacidade que necessita do meu bem-estar total. Como ter criatividade, energia, motivação e inspiração quando só consigo pensar numa única coisa – a vida da minha mãe? Como conseguir escrever sobre tantas coisas que, de repente, me parecem irrelevantes? Como continuar a manter um estado de espírito positivo e continuar a fazer o dia-a-dia – entrevistas, reportagens, artigos, textos – quando me apetece mandar tudo ao ar porque, afinal, tudo isto é insignificante no meu presente?
Deu-me que pensar como somos apenas máquinas. Máquinas que têm de produzir independentemente dos sentimentos e das emoções. Lembro-me de trabalhar na redacção estúpida onde trabalhei, o meu pai estar a ser operado à próstata, eu estar a tentar telefonar em lágrimas porque me tinham dito que tinha havido uma complicação e o meu patrão – el Satanás – a dizer que era paga para trabalhar e não para estar agarrada ao telefone. Na altura isto fez-me ter vontade de pegar na minha mala e sair porta fora. Porque o meu pai significava tudo e aquele emprego de merda não significava nada.
Naquela altura também percebi que temos de ser racionais e criar uma barreira emocional mediante as nossas capacidades. Só eu sei o quão difícil foi estar no hospital sozinha com a minha mãe (porque o meu pai não conseguia sair do trabalho) e manter uma atitude positiva porque tinha de ser assim para ela. E eu sou uma pessoa extremamente ansiosa. Mas eu sabia que se lhe dissesse que estava mal, ela também ia ficar mal. E ela precisava de estar calma. Naquele momento eu é que tive de ser a mãe. Quando a altura chegou e a vi sair deitada na maca em direção à cirurgia e fiquei sozinha no quarto foi quando me caiu tudo. Pude volta a ser eu. E chorei que nem uma maria madalena porque também precisava disso.
Quem esteve comigo nos dias antes, nem sequer imaginou que, por dentro, eu estava como que em coma emocional. Continuei a fazer o que tinha de fazer. Fiz uma entrevista. Uma reportagem. Escrevi vários textos para clientes, recebi as alterações, reescrevi os textos. Mas passou-me pela cabeça milhares de vezes a ideia de que, neste momento, gostava de fazer qualquer outra coisa da vida que não me obrigasse a pensar. Gostava de trabalhar numa fábrica e estar simplesmente a embalar coisas sem ter que falar com ninguém. Gostava de conduzir um autocarro e ficar simplesmente sentada ao volante e a ouvir música. Gostava de trabalhar numa loja de roupa (como, aliás, já trabalhei) e estar simplesmente a dobrar e a arrumar. Gostava de trabalhar num supermercado e estar simplesmente a passar compras na máquina registadora. Gostava, enfim, de ter um emprego mais ou menos automatizado que não me obrigasse a pensar. Por mais egoísta que isso possa parecer. Ou pela atitude até pedante que possa estar a mostrar. Mas espero que compreendam que não quero parecer arrogante ou superior nem estou a desvalorizar estes empregos. Mas eram apenas pensamentos que me passavam pela cabeça porque estava a sofrer.
Porque pensar dói nestas situações. Pensar leva a mais pensamentos e pensamentos criam divagações e divagações geram ansiedade por estarmos a pensar em coisas hipotéticas que ainda não aconteceram e até podem nem acontecer mas, ainda assim, nos estão a passar pela cabeça. E então queremos calar os pensamentos. Queremos adormecê-los. Queremos distrair-nos com qualquer outra coisa que nos tire estes pensamentos da cabeça.
Eu continuei a ler, a ver televisão, a andar pelo Instagram, a fazer stories mais ou menos idiotas sobre coisas tontas do dia-a-dia. Porque isso também me distraía e, acima de tudo, abstraia de pensar.
Mas deixei de escrever. Só fiz o essencial de trabalho e que me paga as contas. O meu livro está parado. Por aqui também me ausentei. Porque, na verdade, não tinha nada sobre o que escrever. E tudo me levava ao mesmo – a doença da minha mãe. O querer falar sobre isso mas, ao mesmo tempo, não querer expor este lado tão pessoal, frágil e real. Pelo menos, não no momento em que o estava a viver. Já não são histórias engraçadas sobre tipos idiotas com quem nos podemos rir. É a minha mãe. É a minha melhor amiga. É a pessoa mais importante da minha vida.
A minha mãe já está em casa a recuperar. Só daqui a mais uns dias sabemos se ficou efectivamente tudo bem ou se ainda há mais passos a dar. E eu quero partilhar isto que aconteceu no seu devido momento porque continuo a acreditar que a Internet também serve para partilharmos experiências uns com os outros. Nestes dias entrámos em grupos no Facebook, fartámo-nos de ler histórias e ver vídeos no Youtube de pessoas que passaram pelo mesmo. E isto também nos deu conforto. Ouvir as histórias de quem passou pelo mesmo fez-nos sentir mais humanos e ter também mais esperança.
E eu quero fazer o mesmo. Mas por agora este momento é apenas para nós.
Amem os vossos pais. Passem tempo com eles. Cuidem deles. Porque andamos tão ocupados a crescer que nos esquecemos que os nossos pais (também) estão a envelhecer.
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