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Foto do escritorHelena Magalhães

O que gostava que o meu eu de 30 anos tivesse dito ao meu eu de 15 sobre carreira e sucesso


O que é que queriam ser quando fossem grandes? Provavelmente cantoras ou atrizes ou astronautas ou veterinárias ou um unicórnio ou trabalhar com uma caixa registadora (como eu invejei caixa registadora de brincar de uma amiga da escola e que – o sonho! – até tinha um rolo de papel para sair a factura). Nunca ninguém nos diz que não podemos ser isto e muito mais. Dizem-nos que o céu é o limite. Mas então porque depois nos pressionam para escolher uma carreira quando temos quinze anos e ainda estamos a processar o facto de que nunca vamos poder ser uma astronauta e afinal os unicórnios não existem?

Eis o que eu gostava que me tivessem dito aos quinze anos quando, à falta de melhor, decidi ir para humanidades? Vai, tenta, experimenta e se não gostares, não faz mal, tentas outra vez. Pelo contrário, eu ouvi: tens de ir para humanidades e depois seguir jornalismo e depois arranjar um emprego. O que é que eu fiz? O oposto disso.

Quando eu tinha quinze anos, queria ser bailarina, tirar fotografias com as minhas amigas, dançar nos concursos de dança da escola, ir às matinés do Bauhaus no Estoril, apanhar o autocarro para o Cascaishopping todas as tardes sem aulas, ver a Malhação à hora do lanche e dar o meu primeiro beijo. Viria a dar uns meses depois no jardim da casa de um rapaz mais velho enquanto víamos o Matrix na garagem com outros amigos e sim, tinha aparelho nos dentes e sim, foi a coisa mais estranha de sempre. Eu queria fazer todas estas coisas que me faziam sentir livre e especial e feliz. Preocupar-me com a carreira que iria escolher e o que iria estudar nos próximos oito anos era a última coisa que me passava pela cabeça.

Mas tive de o fazer. E fui para humanidades. Porque a única coisa em que era minimamente boa era a ler e a escrever. Não tinha jeito para mais nada. Mas não fazia a minha ideia do que queria fazer “quando fosse grande”. E tomar essa decisão aos quinze anos é uma pressão para a qual a maioria dos jovens não está preparado. Eu não estava. E nos dias de hoje, com todas estas novas profissões e formas de criar empregos, os jovens precisam de mais tempo para considerar todas as estas opções. Digo isto porque esta é das conversas que mais tenho pelas redes sociais. Não há uma semana que não me abordem com dúvidas de cursos, de carreiras, de empregos, de mudar de cursos, de mudar de carreira, de vida. E eu respondo quase sempre o mesmo: nunca é demasiado cedo nem tarde para se ter dúvidas e para mudar.


É ok ter dúvidas. É ok querer mudar. É ok perceber que se está no curso errado

Sabem o que fiz quando acabei o 12º ano? Nada. Não fiz nada porque não sabia o que raio queria fazer da minha vida. Todos os professores diziam que tinha de ir para jornalismo mas eu não sabia se queria fazer isso. A única coisa que sabia era que não queria um emprego que fosse rotineiro e igual todos os dias. Acordar, ir para o emprego, fazer as minhas tarefas e voltar para casa. Isso era o que mais me apavorava. Queria coisas que me desafiassem. Que me fizessem usar a minha voz para algo mais.

Então fiquei ali um ano a marinar. Não me inscrevi na faculdade porque simplesmente não sabia para que curso ir. E tirei um ano para mim, para namorar, para dormir até tarde, para sair à noite, para faltar às aulas porque só estava inscrita para os exames, para fazer todas as coisas parvas que se fazem aos dezassete anos quando a vida nos pesa demasiado em cima dos ombros.

E depois envolvi-me nas questões de género e acabei por decidir ir estudar Política Social porque queria mudar o mundo. Mas foi o mundo que me mudou a mim. Aos 25 anos percebi que tinha passado os últimos anos a estudar e a trabalhar numa área que, afinal, não me movia assim tanto. Eu costumo dizer que a escrita voltou a encontrar-me mas, na verdade, foi preciso duas faculdades e três empregos para perceber que poderia usar a minha voz através da escrita. Mas também acredito que teria de ter passado por tudo isto para cá chegar. A vida leva-nos sempre para onde temos de ir e ninguém me tira as experiências que tive e que me tornaram naquilo que sou hoje.

Aos 25 anos era tarde (ou cedo) para mudar de vida? Claro que não. E é isso que costumo dizer: o mais difícil é percebermos o que é que queremos fazer. Muita gente fica anos nessa dúvida. E muitas das coisas que quem me aborda me diz é que sabe que não gosta do que faz mas que também não sabe o que é que gostaria de fazer. Então se já descobriram o que é que vos move, o que vos faz levantar da cama todas as manhãs, o que vos dá ganas de viver, acreditem, já estão no momento certo.

E vou perder todos os anos que estudei e investi na minha formação?

Bem, eu acho que não se está a perder nada. Foram experiências que contribuíram para vos fazer chegar exactamente aqui. Um dos grandes problemas da sociedade é que temos de escolher aquilo que queremos fazer com anos de antecedência. E é normal mudar de ideias. É normal passar quatro anos num curso e perceber que não se gosta daquele trabalho. Até porque muitas vezes as expectativas que temos não correspondem à vida real, que foi o meu caso. Então só nos resta mudar. Porque todos temos de ser produtivos na sociedade em que vivemos. Aos 27 anos podemos querer trabalhar numa área e aos 30 noutra. Aquela ideia de ter um emprego para a vida? É tão antiquada que já tem teias de aranha.

Quando acabamos um curso, não fica esculpido na nossa testa que só podemos fazer aquilo o resto da vida até chegarmos aos 65 anos e nos reformarmos. Podemos mudar o nosso plano duas, cinco, dez, vinte vezes ao longo da vida. Claro que não é isto que nos ensinam. A cultura ocidental tem muito enraizado o hábito de que temos de nos focar em escolher uma carreira e chegar lá o mais rápido possível. Mas uma carreira não é um sprint, é um passeio pela cidade. É suposto andarmos com calma e mudarmos de direção sempre que nos apetecer.

O jornal The Guardian aborda este tema muito bem: com os jovens a escolher carreiras onde não se encaixam, surge também outro cenário preocupante: podemos ficar presos em carreiras como pinos redondos em buracos quadrados. E isto é prejudicial para os jovens porque reconsiderar um emprego é uma decisão enorme. Mas também é prejudicial para os empregadores que lutam para manter alunos excelentes interessados em carreiras que não querem mais.

Eu fui uma aluna universitária de média alta que era simplesmente medíocre nos empregos que tive na área do meu curso. Porque não gostava deles. E não me encaixava nem gostava daquilo que era suposto gostar dado que tinha estudado para tal. A maioria de nós não sabe o que quer fazer quando acaba a faculdade. E os poucos que sabem também vão repensar as suas escolhas à medida que crescem e as suas personalidades se desenvolvem. Quem eu sou hoje aos 33 anos, não é quem eu era aos 22 quando acabei a faculdade. Quem eu era aos 26 quando comecei a trabalhar numa revista feminina não tem nenhuma semelhança com quem sou hoje que quero escrever livros.

Então não se martirizem. Não se deixem arrastar em cursos ou empregos que não gostam. Mudem quantas vezes sentirem necessário. Experimentem coisas diferentes. Façam formações. Dêem espaço e tempo a vocês próprios para fazer as escolhas que acham que são mais acertadas.

Cinco coisas que gostava que o meu eu de 33 anos tivesse dito ao meu eu de 15 e, mais tarde, ao meu eu de 25 anos

Esse fogo na barriga vai chegar um dia, calma

Duas das minhas amigas de infância mais próximas já sabiam o que iriam fazer desde sempre e para sempre. Lembro-me delas com quinze ou dezasseis anos e já se sabia que iam ser médica e enfermeira. E hoje são. E adoram as suas profissões. Mas não há problema se não sentirmos o nosso chamamento. Ele aparece um dia. E, muitas vezes, fruto de todas as outras coisas que fizemos e que nos pareciam absurdas.

Não temos de provar nada a ninguém

Acho que não há ninguém no seu leito da morte que lamente não ter trabalhado mais. O que se torna óbvio à medida que crescemos é que não temos de provar rigorosamente nada a ninguém. Eu queria muito ser apreciada, valorizada, que vissem o meu potencial, que confiassem em mim, que me dessem oportunidades, que me validassem, que me fizessem ver que tinha feito a escolha certa, que ter deitado ao ar dois cursos e três empregos tinha valido a pena… Hoje eu quero apenas fazer coisas das quais me orgulhe e, nos entretantos, ter tempo para viver. As prioridades vão mudando por isso não se martirizem para querer ter tudo aqui e agora. Vão vivendo e tentando ganhar dinheiro com as coisas que gostam de fazer.

Não se deixem controlar pelo medo do futuro

Porque toda a gente tem medo. Eu tive e tenho todos os dias. Tive medo quando abandonei a Política Social para me virar para a escrita. Tive medo quando me despedi da revista feminina porque já não era isso que me movia. Tenho medo a toda a hora. Medo de ter feito decisões erradas. Medo de ficar sem nada. Medo de não ter dinheiro para pagar as contas. Medo de não ter a segurança de um contrato de trabalho. Medo de ser um fracasso. Este medo do futuro está injetado na nossa cultura e a pressão para se ter a vida toda decidida é enorme. Mas, acreditem, não é o medo que move montanhas. É a coragem. E também não há coragem sem um pouco de medo. 

Patrões há muitos. Não trabalhem para pessoas de merda

Porque é aqui que cai bem um velhinho cliché: a vida é curta para a desperdiçarmos a trabalhar para pessoas horríveis. Eu tive três anos a trabalhar para um patrão do mais diabólico e intragável que se possa imaginar. E agradeço por cada dia que trabalhei para ele porque me deu bagagem para nunca mais na vida tolerar 1% do que tolerei naquela empresa e as coisas horríveis que vi e vivi. Assim, a não ser que estejam desesperados, comecem a procurar outro emprego para pagar as contas. Ninguém vos vai devolver os meses ou anos que passaram num emprego que vos dá cabo da saúde.

Vamos falhar e vamos aprender

Lembro-me de ter chorado baba e ranho na casa-de-banho na primeira vez que me rejeitaram um artigo. Passou-me de tudo pela cabeça: dei passos maiores que a perna, armei-me em chica-esperta que quer escrever mas não passo de uma fraude, quem sou eu para achar que podia simplesmente tornar o meu hobby num emprego? Que drama. Mas todos os fracassos são aprendizagem. Com aquele artigo que me foi rejeitado, percebi onde tinha falhado. E não voltei a cometer esses erros. Pensei que não ia sobreviver a outro fracasso. E tantos outros se seguiram. E com cada um deles aprendi coisas novas. Tentar, correr riscos, cair, levantar, voltar a tentar… faz tudo parte do processo de descobrirmos aquilo que gostamos e em que somos bons.

No final do dia, a felicidade é a meta. E para lá chegarmos temos de conseguir tomar a decisão de não fazer mais aquilo que efectivamente não nos deixa felizes. Mesmo que ainda estejamos longe de saber o que é que nos faz feliz. Ao longo da vida vamos ter de dar inúmeros passos atrás para conseguir saltar para a frente. Mas é isso que vale a pena. O salto. O frio na barriga. O medo. A fé. A expectativa. A aprendizagem. As experiências.

Vamos acabar por descobrir o caminho certo. Sem precisar de fazer um sprint. 

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