Nas últimas semanas, sugeri clássicos, romances, uma pitada de história, livros escritos em português e passados em Portugal e faltava um bom mistério. Embora a capa possa dar a entender que vão ler um thriller, podem ficar descansados que não mete qualquer tipo de sangue. É, literalmente, um livro para pensar enquanto tentamos decidir quem realmente matou Alice Salmon de um rol de personagens altamente prováveis.
O invulgar nesta narrativa é que, do princípio ao fim, este livro é feito inteiramente de cartas, textos, diários, posts em blogs, em redes sociais, peças de jornais, entrevistas e outras formas criativas e modernas de mergulharmos nesta história narrada pelos pensamentos e textos de várias personagens e pela própria Alice (através dos seus diários). Se ao princípio me parecia estranho estar a acompanhar a história desta forma, rapidamente me habituei e entrei neste registo. Ao estarmos a ler os próprios pensamentos das personagens, que nos vão contando a sua ligação com Alice, começamos a perceber que todos eles são ordinários e comuns. Não há um herói e a própria Alice era uma rapariga que, quando morreu, estava bêbada. Nenhum deles é extremamente boa pessoa e todos mentem e enganam, tornando-os simplesmente banais e humanos… como qualquer um de nós. E o mais interessante ainda é a forma como, ao longo do livro, as personagens se vão transformando à medida que as conhecemos melhor, não de uma forma impessoal, mas dentro das suas próprias cabeças. A forma como todos são de pouca confiança, não muito simpáticos, frívolos e irresponsáveis, faz com que nos consigamos identificar: porque todos nós temos esse lado sem nunca pensarmos que, um dia, algo de realmente mau pode acontecer: como alguém morrer.
Porque é isso que todos desejamos, não é? Sentir que somos importantes, que somos desejados, que fomos notados. Que fizemos a diferença. Que a nossa falta é sentida. Que somos lembrados. Sentirmo-nos abençoados nesta terra. Simplesmente, queremos saber que somos amados.
Um dos pontos mais interessantes neste livro é a forma como nos mostra que o nosso rasto digital – aquilo que espalhamos pela internet – nunca desaparece e como damos tanta informação sobre nós próprios sem nos apercebermos. É uma mensagem importante para as gerações da internet.
E ao redor da misteriosa morte de Alice, vamo-nos apercebendo que este livro é muito mais que um policial para se perceber quem realmente a matou, é uma narrativa sobre a condição humana e o desejo que todos nós temos de sermos notados, lembrados e importantes. A ânsia de sentirmos que fizemos a diferença no mundo… antes de morrermos.
O que ela deixou de T. R. Richmond, publicado por Editorial Presença. Foi publicado em Agosto e já está à venda na Fnac online, com desconto. Aproveitem 🙂
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