Eu adoro viver em prédios porque nos dá uma sensação de “companhia” e comunidade. Por outro lado, e porque sou paranóica, também me cria um certo medo por viver à mercê de quem vive em cima de mim. No outro dia houve um incêndio enorme a três prédios do meu (foi uma manhã de pânico com ambulâncias, bombeiros, polícia, muito fumo e gritos) e só escapou o r/c. O incêndio, que começou no primeiro andar, alastrou até ao terceiro. Felizmente foi num dia de semana e a maioria das pessoas não estava em casa mas, mesmo assim, deixou-me a pensar que, por um descuido de um vizinho inconsciente, posso um dia acordar com a casa a arder. O que, enfim, é mais um medo para acrescentar à minha lista infinita de terrores que me passam pela cabeça.
Mas, deixando as minhas paranóias de lado, adoro o meu vizinho do lado. Calma, não faço ideia quem ele seja. Já o vi, é certo. Já dissemos olá, boa noite, tudo bem? Ele já disse que não gosta de gatos. Mas gosta muito de fazer festas ao fim-de-semana. Mas o que adoro no meu vizinho do lado – eu que sou uma pessoa observadora – é a quantidade de mulheres que ele recebe em casa.
Numa primeira instância, e porque eu faço logo toda uma telenovela, cheguei a pensar que ele dirigia alguma casa de meninas. Ou, para ser menos drástica, algum serviço de encontros amorosos porque entra e sai muita gente de lá. Claro que pode ser apenas um tipo bastante social. E cheguei até a pensar que ele poderia ser de uma religião e ter várias mulheres. Mas, na verdade, ele é apenas um grande cabrão.
A mulher #1
Há uns tempos, andei irritada com a merda de um carro que estava estacionado no meio de dois lugares (numa rua já de si difícil para ter lugar nos dias mais lotados). E o carro aí ficou durante uma semana inteira comigo a rezingar todo o santo dia e com vontade de furar um pneu. E ele andou silencioso, então constatei que devia ter ido de viagem com uma das suas mulheres. Acabei por ter a sorte de me cruzar com ela exatamente no momento em que estava a ir embora. Claro que, de forma muito simpática, dei a dica de que o carro tinha ficado no meio de dois e isso prejudicava os moradores (sim, eu sei, sou uma velha de 80 anos a reclamar com os carros mal estacionados). Factos sobre a mulher #1: tem cabelo loiro comprido e uma filha para aí com cinco anos que, nesse dia, estava a sentar no banco de trás.
Já voltei a ver este carro mais vezes na rua e, curiosamente, sempre bem estacionado. Vale a pena reclamar.
A mulher #2
O meu vizinho vai muito ao ginásio ou, então, apenas tem um saquinho de ginásio que anda com ele todos os dias. Esteja frio ou calor, o meu vizinho anda de havaianas e acho que nunca lhe vi os pés calçados. E no outro dia, depois de chegar a casa à noite, voltei ao carro para ir buscar uns sacos e o meu vizinho tinha a porta aberta – coisa que tem muitas vezes até e já vi que tem um quadro de NY pendurado no hall de entrada. Deixa simplesmente a porta aberta para ir ao carro ou ao lixo ou sei lá onde. O que me faz concluir que, apesar de cabrão, até é boa pessoa porque confia em quem vive no prédio.
Quando vinha a entrar, já com os meus sacos na mão, o vizinho estava a subir as escadas com o seu saquinho do ginásio, as suas havaianas e uma nova amiga, também loira mas totalmente diferente da #1. Disse-me boa noite, perguntou pelos gatos assassinos (não faço ideia porque razão ele acha que são assassinos quando são provavelmente os gatos mais doces em todo o universo) e eu ri-me e respondi que ele tinha um trauma qualquer por resolver. Disse boa noite à amiga #2 que me olhou de cima abaixo e ignorou. Miauuuuu, educação para dar e vender. O que já explica as suas extensões onduladas e manhosas e as raízes pretas com aquele loiro rançoso e só tive tempo de lhe olhar para os sapatos de salto agulha horrorosos e sorrir e fechar a porta de casa.
A mulher #3
Claro que ele poderia ter terminado a relação com a #1 e a #2 ser o seu novo engate. Mas, esta semana, voltei a ver o carro da #1 e, na sexta feira, houve festinha aqui ao lado. E o carro da #1 cá estava estacionado ao lado do meu. Janelas abertas, musiquinha bem irritante e muitos risos e vozes. Mas eu até sou uma vizinha do bem que cheguei já depois da 1h, coloquei os tampões nos ouvidos e nunca mais os ouvi. Mas hoje, conheci a amiga #3. Estava a jantar aqui em casa quando comecei a ouvir gritos no prédio e, desculpem-me se pareço cusca, mas tive de ir espreitar. É mesmo para isso que temos um buraco na porta: para ver o que se passa na porta do vizinho do lado. Era uma nova amiga, esta de cabelos pretos, que estava à porta e gritava, passo a citar, assim não dá, tens que te orientar. O meu vizinho estava encostado à porta, de t-shirt branca e… havaianas, claro. Não percebi o que é que ele dizia mas ela só respondia: não dá, assim não dá mais. E acabou por descer as escadas. Voltei a ouvir a voz dela aqui fora na rua e, porque adoro histórias, fui espreitar à janela (sou mesmo daquelas vizinhas velhas com os mirones sempre ligados) e ela, já dentro do carro e de janela aberta, espetou-lhe literalmente o dedo do meio. E arrancou numa barulheira com os pneus e a embraiagem. Eu faço exatamente o mesmo quando estou zangada e quero arrancar com o carro mas dar mesmo ênfase à minha irritação. Fiquei solidária com a amiga #3.
Pensei que, se calhar, o meu vizinho tinha acabado com a #1 e com a #2. Também não posso ser assim e pensar logo o pior das pessoas. Se calhar discutiu com a nova relação. Se calhar a amiga #3 descobriu alguns erros do passado dele. Poderia ele estar, agora enquanto escrevo isto, triste no seu sofá? Poderia, coitado, estar a sofrer? Eu sou sempre a favor do amor.
E enquanto pensava no meu vizinho do lado e no seu coração (talvez) partido, ouvi a porta da rua bater e risos nas escadas. Claro que chamei a minha velha de 80 anos e fui a voar para o buraco da porta.
Olhei para o relógio – nem 15 minutos tinham passado desde que a #3 se foi embora. Ele nem deu 15 minutos desde a discussão com a #3 para chamar a #1.
Morri.
(e perdi mais um pouquinho a fé nos homens).
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