No outro dia vi uma entrevista com jovens desta nova geração (nascidos após 2000) onde lhes mostraram vários vídeos das Spice Girls e lhes pediram a opinião. Alguns dos comentários foram engraçados porque, à luz daquilo que se ouve hoje em dia, eles acharam as músicas infantis. Mas, por outro lado, houve uma rapariga que disse: que horror, essa música é pornográfica. Referia-se ao 2 become 1 AKA música maravilhosa de l’amour. Mais precisamente ao refrão: “wanna make love to ya baby”.
Onde é que “quero fazer amor contigo” é pornográfico? Praticamente tudo o que se ouve hoje em dia na rádio é altamente explícito. E não estou a dizer que sou contra isso porque até musicas de que gosto bastaaaaante – como a I feel it coming do The Weeknd – são obscenas quando analisamos as letras ao pormenor.
Eu cresci com as Spice Girls, os Backstreet Boys, os The Moffatts, os N’Sync, a Britney Spears, a Xtininha Aguilera. E toda a mensagem que eles passavam – o pop dos anos 90 – era tudo menos pornográfico. Era uma sensualidade ingénua que vendia mas que nos ensinava (alguns) valores. Grande parte da pessoa que sou hoje deve-se ao girl power. Comprei todos os livros das Spice e todas as mensagens que elas passavam baseavam-se em meia dúzia de premissas: aceita-te, não deixes que homem nenhum te diminua, luta pelos teus direitos, defende-te e sê tu própria.
O pico da minha adolescência foi dançar as coreografias dos singles das Spice Girls. If you wanna be my lover… O pico das adolescentes de hoje é dançar o mais lascivamente possível no Urban Beach ao som das Fifth Harmony. As vozes, as danças, os olhares, as roupas… tudo é pensado o mais sexualmente possível.
E a minha questão é: que mensagem é que o girl power de hoje passa a esta nova geração? Basta irmos a uma discoteca à sexta-feira para percebermos: raparigas com pouco mais de 18 anos praticamente despidas que acham que o sexo é a sua maior arma. E que não entendem nada de feminismo nem do poder que realmente pode ter na sua vida. Porque o girl power foi a forma de toda uma geração ser feminista numa altura em que ninguém o poderia afirmar em público. Usaram o pop como forma de fugir a discursos demasiado eloquentes sobre a diferença de género mas as premissas estavam lá: trata-me melhor, usa preservativo, as minhas amigas são mais importantes.
Neste último X Factor, aconteceu uma coisa interessante – Simon, you’re the best. Havia uma concorrente, Sam Lavery, com uma voz abismal. Mas uma imagem terrível. O Simon, no desafio das 6 cadeiras, e contra a sua vontade, expulsou-a. E disse-lhe: estás demasiado produzida, demasiado sexualizada, demasiado maquilhada e perdeste o encanto. Mais tarde, acabou por a repescar, com uma mensagem: ela teria de mudar o seu visual e tornar-se uma rapariga simples se queria voltar ao concurso.
E para toda uma geração a ver este programa, esta foi uma mensagem de autêntico girl power que, infelizmente, a maioria não terá percebido.
Se perderem 10 minutos a rolar pelo Instagram vão ver que esta geração aprendeu a palavra feminismo num contexto errado. Qualquer coisa tipo: Como ganhámos o direito ao sexo, vamos usá-lo a torto e a direito. Posso expor-me porque sou feminista e faço o que quero com o meu corpo. Blá, blá, blá. E talvez as coisas venham a ser ainda mais drásticas nos próximos anos. A música e a moda defendem cada vez mais o sexo como norma. As bloggers, que são as novas influentes, passam as mensagens mais erradas possíveis às novas gerações. Mesmo as portuguesas: pouca roupa, muito corpo à mostra e poucos valores/objectivos de vida. As estrelas dos realityshows – Kardashians, pois claro – representam tudo o que de errado está à nossa volta. E a televisão – com todas as casas dos segredos e cia – continua a explorar o pior lado da mulher. Mas esta geração assume-o como poderoso e representativo de sucesso.
Hoje em dia é fácil descartar a necessidade de feminismo ou girl power porque os problemas maiores já foram (ou estão a ser) tratados. Mas, neste momento, vivemos, a meu ver, um novo período:
a necessidade absoluta de ensinar um novo feminismo às gerações mais novas – à geração digital que acredita que feminismo é mostrar o corpo só porque o podem fazer.
Os anos 90 podem não ter trazido as mensagens mais complexas para a geração de mulheres. Mas ensinaram-nos o que precisávamos – olhem para nós, hoje, mulheres com objectivos, inteligência, valores e ideais. A próxima década surge-me no horizonte como um futuro assustador para as raparigas que vão passar a mulheres.
É preciso haver uma mudança no mundo. Mas ela depende de todos nós.
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