Quando eu tinha 13 e 14 anos – ou seja, lá para 1999 e 2000 – o cinema de Carcavelos foi palco de muitas das histórias que davam vida ao dia-a-dia do meu grupo de amigas. Foi lá que tive as primeiras sessões de filmes com rapazes e o nervoso miudinho dos dedos a tocar nos braços das cadeiras. Foi também do cinema que vínhamos quando, nas traseiras da escola (um caminho de terras que ligava a escola ao centro de Carcavelos), vimos um velho de pila de fora a masturbar-se a olhar para nós. Naquela altura, corremos no meio de gritinhos histéricos até virarmos a esquina e entrarmos numa rua principal onde nos atirámos para o chão perdidas de tanto rir.
Este era o cinema que esgotava pela noite dentro. E eu era uma habitué regular das sessões das três da tarde. Isto numa altura em que o velhinho centro comercial de Carcavelos era absolutamente mágico e cheio de vida. Hoje, praticamente todas as lojas estão fechadas e abandonadas mas, contra todo este modernismo que está a mudar a história de Lisboa, o cinema continua aberto e a lutar para se manter com o mesmo misticismo da minha infância. Chegada a hora, as cortinas do pequeno anfiteatro abrem-se, a música toca e o filme começa. No canto, um piano de cauda porque isto é mais do que um cinema. E lá fora há um bar com cadeirões, cafés e, a velhinha rotina de antigamente, um bengaleiro para deixar os casacos.
Entrar dentro deste cinema é andar trinta anos para trás. Estávamos em 1983 – dois anos antes de eu nascer – quando abriu portas pela primeira vez. A minha mãe conta-me que ela e o meu pai namoraram muito aqui por essa altura. Numa reportagem, a revista Visão diz que há 30 anos ir ao cinema era um hábito semanal, tal como ir ao café. Nos cinemas NÓS temos os descontos, é verdade, e eu – habitué do cinema – confesso que uso e abuso deles para poder alimentar este vício. Mas aqui no cinema de Carcavelos – o último de bairro na linha de Cascais ainda a funcionar – venho quando quero estar mais tranquila porque (feliz ou infelizmente) longe vão os dias em que lotava.
Há uns tempos fui sozinha a uma sessão da tarde porque não me apetecia trabalhar. E o cinema estava vazio, exceptuando um grupo de cinco ou seis senhoras da idade da minha avó que ficaram na fila atrás de mim. A dada altura, começou um telemóvel a tocar e assim ficou por uns bons dois ou três minutos sem que nenhuma delas fizesse nada. Eu comecei a olhar para trás até que uma delas me disse: oh menina, atenda o telefone. Apetecia-me rir imenso mas mantive-me séria. Disse-lhes: não é o meu, é um dos vossos. Como se tivesse cronometrado o momento, todas se baixaram ao mesmo tempo para ver as malas e uma delas lá encontrou o telefone e, com todas a rir, o desligou.
Noutra vez, fui com um tipo também a uma sessão da tarde e, como o cinema estava vazio, sentámo-nos no meio da sala a conversar. Entretanto, entra um casal idoso com o bilhete na mão. E eu disse para ele: queres ver que são neste lugar? Isto pode parecer mentira – mas juro-vos que é verdade! Eles pararam na nossa fila, olharam para os bilhetes e disseram que estávamos no lugar deles. Chorei de tanto rir porque quão inverosímil seria isto acontecer? Mais: o casal era absolutamente amoroso e a sala continuou vazia à excepção de nós os quatro. Mas nós mudámos de lugar, claro.
Poderia contar aqui todo um rol de histórias que vivi neste cinema. Mas deixo-vos a vocês descobrirem as vossas próprias histórias.
Se tiverem oportunidade, visitem este cinema e contribuam para que as tradições não morram. Tem três sessões diárias e duas salas de cinema. Fecha à terça-feira e é um sítio maravilhoso para se namorar.
Atlântida Cine Carcavelos, R. Dr. Manuel Arriaga, Centro Comercial de Carcavelos. 214565653.
A imagem da sala tirei deste site.
Fotografias tiradas por Faz de Conta Fotografia.
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