A Beatriz foi seis meses para a Austrália a propósito do seu doutoramento. À data em que conto esta história ela já lá está há uns bons cinco meses e quase a voltar aqui para a terrinha. Umas semanas antes de partir, jantámos em casa dela para uma despedida da despedida da despedida quando nos disse que tinha conhecido o (na altura ainda não se chamava assim) Fascista Sexual. Rimo-nos umas para as outras porque é aquelas alturas da vida em que nos apetece mandar tudo ao ar. Uma mulher está meses – anos – sem conhecer ninguém de jeito e quando aparece alguém realmente interessante vai para São Francisco por tempo indeterminado – lembram-se d’O amor é outra coisa 14 sobre os timings? – ou, neste caso, estamos nós de partida. Claro que ela nunca sequer ponderou a hipótese de não ir – eu ter-lhe-ia dado um pontapé para a fazer acordar – mas sentiu que a vida por vezes é ingrata para caraças.
O que fazer? Viver? Não viver? Abdicar de uma das coisas – a nossa vida ou a pessoa que pode vir a ser a nossa vida? E isto não é uma situação fácil que se decide da noite para o dia. Conheço pessoas que abdicaram de trabalhos de sonho para não perderem um amor e, no fim, ficaram sem trabalho e sem amor. Como também conheço quem escolheu o trabalho e, no fim, acabou infeliz e optou por voltar. Os desígnios da vida e do amor são mesmo assim. Imprevisíveis.
A Beatriz foi. E o Fascista Sexual ficou. Ao fim de um mês e pouco a trocarem mensagens e telefonemas à distância, ele perguntou-lhe se ela não queria ir com ele a Bali – já que ela estava lá perto. E ela que costuma ser uma mulher que prefere viver (e depois logo se vê) do que ficar a pensar no assunto, fez as malas e foi passar uma semana com ele a Bali. E depois de Bali, ele foi para a Austrália mais uma semana com ela.
Um tipo solteiro de 39 anos… só pode ter algum problema
Beatriz e Fascista Sexual duas semanas juntos. Dia e noite. No outro lado do mundo. E, de dia para dia, as expectativas de Beatriz foram decrescendo e decrescendo ao ponto de ela já contar as horas para ele se ir embora mas sem querer dar a entender que nada daquilo estava a funcionar. E esta é a merda das relações à distância embrulhadas na fragilidade que são os inícios destas mesmas relações. Não conhecemos as pessoas. Não conhecemos os seus hábitos, as suas manias e as suas formas de estar no mundo. Não conhecemos aquilo que todos nós somos 24 horas por dia que é completamente diferente daquilo que somos num jantar, num cinema, numa noite a dois.
Porque o Fascista Sexual é interessante, inteligente e eloquente. Tem 39 anos, uma carreira de sucesso numa empresa qualquer, um bom carro, uma casa em Lisboa e outra no Algarve. Viaja várias vezes ao ano, fala de cinema, de música, de cultura, de arte e um rol de temas pseudo-intelectuais e pseudo-espirituais. E está solteiro. E esta é a parte em que, logo desde o início, eu disse a Beatriz que ele tinha de ter algum problema. Porque se, com 39 anos e todas estas qualidades, continua solteiro – só pode ter alguma coisa errada.
– Tu tens 31 anos, eu tenho 34, não achas que também há qualquer coisa de errado connosco? – perguntou-me.
E eu fui obrigada a concluir que se calhar – só mesmo se calhar – o Fascista Sexual era um tipo exactamente como nós – a navegar nesta maionese de relações descartáveis e à procura de uma mulher que fosse realmente outra coisa.
Mas não. O Fascista Sexual tinha (e tem) realmente um problema. É interessante, inteligente e eloquente. Mas também diz coisas como “vou só ali dar uma mijinha” no meio do restaurante. Tem dinheiro, vive bem, mas conta os trocos e não dá gorjeta – nem aos senhores dos tuktuk lá do sítio. E quando foram num barco com mais outras pessoas e, entre elas, estava um casal gay, ele disse qualquer coisa do género: “olha-me estas duas, que nojo“. E a Beatriz por esta altura já espumava e bufava por todo o lado. E contava os dias para o tipo se ir embora para nunca mais voltar.
Quem tem menos de 18 anos, a história acaba aqui. Para os leitores maiores de idade… vamos lá continuar
Mas isso não faz dele um Fascista Sexual, pensam vocês. Pois não. Mas deixei o melhor para o fim. Depois de uns dias juntos – na cama, digo eu – o Fascista começou a revelar-se. E para quem tem menos de 18 anos, esta é a parte em que têm de fechar esta janela, beijinhos e até amanhã 🙂
Para os leitores maiores de idade, a história continua aqui: o tipo recusava-se a deixar que Beatriz ficasse por cima, qualquer que fosse a posição sexual. Dizia que a mulher fica por baixo e o homem é que controla. E eu estava a ouvir Beatriz contar-me isto ao telefone e queria manter um tom de voz sério mas foi impossível porque cada coisa que ela contava era mais absurda que a anterior. Este tipo – solteiro de 39 anos – vivia sexualmente no século passado. E só queria ejacular para a cara dela. Pedia. Implorava todos os dias. Quase que exigia. [e eu aqui já estava a morrer de tanto rir]
– Sabes qual é o problema de um tipo de 39 anos e solteiro? – perguntei a Beatriz. – É um Fascista Sexual – bufou ela. – Não. Vê demasiados filmes pornográficos há demasiados anos e acredita que é isso que o sexo é.
E este não é só o problema de um solteiro de 39 anos. Este vai ser o problema dos solteiros da próxima geração. A geração que hoje tem 14 anos e vê tudo na internet logo desde cedo. A geração de rapazes que acha que sexo é o que vê na pornografia digital. A geração que vê a mulher como obrigada a corresponder a todas as tolices que lhes passam pela cabeça porque no sexo – e, eventualmente em tudo na vida – o homem é que controla.
O Fascista Sexual foi embora e a Beatriz respirou de alívio. Perguntei-lhe se estava arrependida de ter aceite que ele fosse lá ter com ela.
– Claro que não. Sempre quis ir a Bali, por isso valeu a pena.
Esta é a mesma Beatriz que, no Porto, se deixou levar na cantiga do Solteirão (e só quem leu o livro vai perceber). Porque, por vezes, nem tudo acontece em prol de um final feliz.
Muito menos com tipo atrasado mental durante o dia e fascista durante a noite.
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