Se isto fosse um diário, acho que hoje começava com: querido diário, porque é que os homens são tão burros? A Miranda andava há séculos a falar-me num tipo que me queria apresentar. É um cabeçudo como tu, dizia-me ela. E eu, que troco abdominais por cérebros num estalar de dedos, fiquei com a pulga atrás da orelha. Combinámos um jantar em casa do amigo deste tipo que ela conhecia, marcámos o dia, metemo-nos no carro e lá fomos. Não vos digo quantos quilômetros fizemos para este jantar porque, sem dúvida, só por aí já poderia induzir em erro as nossas (humildes) intenções.
E quando lá chegámos, éramos quatro. Que fofos, isto parece um jantar romântico a quatro, dissemos. Apresentações, troca de ideias, cozinhar, beber um copo, contar piadas e eu já tinha decidido, sem dúvida, que o tipo não tinha nada a ver comigo. Nem era pelas paez que tinha calçadas (e eu acho paez a coisa mais, desculpem-me, ridícula num homem), nem pelas pernas mais bem depiladas e brilhantes que as minhas, nem pelos whatsapps que ele estava a enviar com corações a alguém. E sim, nós topámos isso. É muuuuuito difícil esconder o que quer que seja de uma mulher. Estou a falar com a minha tia, disse ele à Miranda. Com a tia? A sério que a primeira coisa que fez foi jogar a cartada do, perdoem-me, cabrão? Para mim, já estava o assunto arrumado.
Estão a ver aquela forma idiota como nos comportamos quando estamos interessadas em alguém? Ficamos cheias de pudores, não conseguimos ser naturais e passamos o tempo todo a racionalizar o que fazer, o que dizer e como nos comportarmos, certo? Neste caso foi exactamente o oposto. O nível de interesse estava tão abaixo do zero que, a dada altura, já estava a falar com a boca cheia de comida da nossa aventura na casa assombrada (nível de tesão menos cinquenta), de blogs, de ginásio e começámos a fazer snapchats das nossas caras a meio do jantar (nível de tesão menos duzentos).
O que fazes?, perguntou-me o tipo num momento em que ficámos sozinhos. Não posso dizer, trabalho à noite, disse. Diz lá, sorriu. Sou stripper. Olhou-me de lado, levantou a sobrancelha e cerrou o semblante. Eu sei que escreves, a Miranda já me disse, mas escreves sobre o quê?, perguntou. Escrevo sobre homens, respondi. Tens assim tanta experiência? Sim, rapaz, sou uma devassa. Gosto de escrever sobre relações, disse. Já tiveste más relações, foi? Foi. As pessoas dizem que sou uma guru do amor, respondi à falta de melhor. Como o guru do sexo?
Pausa para respirar.
Voltámos para a mesa, começámos a ver vídeos da Beatriz Gosta e, entre amassos, pau pau pau e sexo anal (dos vídeos dela, atenção), já estávamos a falar de relações passadas, más experiências e ex-namorados. Lena, ele dança kizomba, sabias?, disse-me a Miranda. Não sabia, mas também não queria saber. Mas, quando dei por mim, já estava no meio da sala com uma música melosa a tocar e um nível de proximidade em que praticamente conseguia ouvir o jantar do homem a ser digerido pelo estômago. A música tocava, não me perguntem qual era porque não sei, e ele rodopiava-me pela sala, com as suas pernas entrelaçadas nas minhas, a barba a roçar na minha cara e a mão nas minhas costas nuas.
E, como se nem há meia hora estivesse a trocar whatsapps com corações com outra, o tipo decide deixar-se embalar pela música e descer mão para o meu rabo e apertá-lo com força. E foi o suficiente para decidir que a noite estava dada por terminada. Olhei para a Miranda e tivemos um belíssimo momento de telepatia. Bem, está na hora de irmos embora, dissemos. Mas, vão embora assim?, perguntou um deles. Hmmm, sim amanhã acordamos cedo, dissemos. Fiquem cá a dormir…
Pausa.
Foi um momento constrangedor aquele em que percebemos que eles achavam que tínhamos lá ido simplesmente para sexo. Em que parte é que pensaram isso? A parte em que falei de boca cheia ou a parte em que já não me apetecia falar de mim e comecei a dizer que era stripper? E o que é que íamos fazer? Viajar até Swingtown numa experiência a quatro?
Ainda bem que não sou a do whatsapp a quem ele estava a mandar mensagens com corações. Pior que uma mão no rabo são dois pesos na testa.
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