Diziam-me há dias que, nos tempos que correm, é impossível ser-se completamente anónimo. Estamos basicamente em todo o lado. E todos os dias lemos qualquer coisa sobre fulano que foi apanhado com sicrano a trair beltrano. É o cliché das relações e da era dos iPhones, dos chats, dos whatsapps, dos snapchats e dos facebooks. Estamos tão rapidamente e facilmente em todo o lado que é impossível eclipsarmo-nos nem que seja para uma escapadela no meio do nada. No outro dia, no meio de uma multidão num festival, onde a probabilidade de encontros imediatos é (quase) impossível, o impossível tornou-se possível. Lá estava fulano em conversas divertidas com outra. Fulano ria, fulano tocava com o ombro no ombro da outra, fulano mexia no cabelo, fulano era cordialmente e visualmente tão simpático e… solteiro. Tirámos uma fotografia ao fulano e, de seguida, recebeu uma SMS. “Com quem estás?”, perguntou a minha amiga. “Com o sicrano”, respondeu ainda com a outra ao lado, arrumando o telefone no bolso e continuando o seu flirt barato. E o improvável aconteceu: no meio de um festival com 50 mil pessoas, fulano foi apanhado em plena traição. E o que me pergunto é: É tão fácil mentir assim nos dias de hoje?
A tentação está em todo o lado. Basta sairmos de casa. Mas é-lhe impossível resistir sem mais nem menos? Seremos tão miseravelmente infelizes nas nossas casas com os pés que nos aquecem debaixo do lençol que precisamos de massajar o nosso ego e coração lá fora com o instrutor do ginásio, com a colega do terceiro piso, com o ex-namorado que encontrámos no Facebook e já não víamos há anos? Talvez eu viva num outro universo paralelo mas, para mim, mandar mensagens já é traição. Trocar emails com a colega de trabalho onde os meus melhores cumprimentos passam a queres almoçar comigo hoje? já é traição. Whatsapps às duas da manhã já é traição. Porque, num estalar de dedos, passamos dos emails aos toques (inocentes) de ombro e dos toques de ombro ao abraço e do abraço ao beijo e do beijo à escapadela para um hotel na sexta-feira à tarde.
Todos gostamos de atenção. Eu também gosto. Mas qual é o limite que separa a atenção da traição? Em tempos, e já no rescaldo de uma longa relação, conheci um tipo numa discoteca qualquer. Das conversas, trocámos números e dos números combinámos um café. Do café passámos para saídas com amigos em comum e da relação que tinha nem vê-la. A atenção estava a roçar a traição e lembrei-me das amigas que critiquei, dos outros que julguei e dei um chuto no rabo ao meu namorado. Não creio que tenha sido má pessoa por ter dispensado uma relação de anos (#bitch). Seria pior ainda se o tivesse traído. Se calhar foi preciso ter conhecido alguém para perceber que aquela relação cujo fogo se tinha apagado já não me satisfazia o corpo e a alma. Podia ter ido pelo caminho mais fácil: fulana que conhece sicrano e trai beltrano. Esta nova relação poderia não funcionar e não queria deitar tudo a perder com quem me aquecia os pés à noite. Mas, não querendo estar a fazer preconceitos de género, este é um comportamento típico dos homens. Nisso, as mulheres costumam ser mais maduras. Movemos mundos para estar com quem gostamos. Mesmo se isso implicar terminar um casamento de 10 anos por uma paixão arrebatadora.
A atenção bate-nos à porta a toda a hora. Saber geri-la não é tarefa fácil no mundo imediato em que vivemos. Mas, e porque não somos cegos, surdos e mudos, há que tentar ser transparente com a pessoa que temos ao lado. E, acima de tudo, transparentes com o que queremos e sentimos. Todos somos livres para procurar o amor em qualquer fase da nossa vida.
O que é que aconteceu a fulano, perguntam-se vocês? Entre uma música e outra de Capicua, com mais umas mentiras (e ai que estás a duvidar de mim, como é que é possível não confiares em mim?), a minha amiga mandou-lhe a fotografia que, meia hora antes, lhe tínhamos tirado com o iPhone (afinal sempre servem para qualquer coisa). E com fulano a jurar a pés juntos que não era nada daquilo que parecia, não consigo deixar de pensar: trair tornou-se cliché?
[E eu juro, finjo que paro, digo que saiu mas não vou, eu calo e quando falo eu nunca abro o jogo todo. Eu fico achando que arco mas depois mato o que restou, não queimou então não chega porque amor para mim é fogo. Lupa, Capicua]
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