Eu juro. Eu juro que não me apetecia sair no sábado à noite. Já estava em casa, despenteada, de calções e meias, sem maquilhagem. Anda lá, o fulano está aqui, dizia-me um amigo numa mensagem. Mas já estou feia, de pijama, respondi. Mas ele veio de propósito porque eu lhe disse que vinhas, e tocou-me na alma. Nunca me tinha vestido tão rápido na vida. Desci as escadas do prédio, sandálias na mão, corri em bicos de pés da porta até ao carro, não fosse furar um pé com uma pedra, e arranquei para o bar. Estão a ver aquele stalking virtual que todas fazemos antes de concluir que fulano é um bom partido? Foi o que eu fiz. Foi por isso que saí tão rápido. Jornalista, músico q.b, presença assídua em imensas conferências e jornais e sempre com t-shirts de bandas improváveis de eu ouvir mas que lhe davam um ar de desalinho. Se há tipos que me fascinam profundamente, são os inteligentes. Nada me conquista mais rápido que uma cabeça. E isto é cada vez mais raro. Se ele se tinha deslocado à minha procura, como não responder ao apelo humano?
E ele lá estava, de facto, no bar com os meus amigos. Armei-me em desinteressada, olhei para todos menos para ele, como se nem tivesse dado pela sua presença. Como se nem há vinte minutos atrás tivesse andado a vasculhar o seu Facebook. E acreditem, nada deixa um homem mais inflamado que esta indolência propositada. São como pequenos seres de cinco anos que só querem o brinquedo que não podem ter. Não sei como, nem quando, mas acabámos sozinhos no sofá bafiento no canto do bar. Lembrem-me de agradecer mais tarde ao meu amigo que me deixou ali. Não é que o tipo não fosse simpático, que era. Ou que não fosse lindo de morrer, que era. Ou que não cheirasse tremendamente bem, que cheirava. Mas sofás, copos, bares a meia luz e sábados à noite não são prenúncios de coisas boas.
Conversa puxa conversa e já estávamos num rol de falsas intimidades despoletadas por copos a mais. E eu nem bebo, atenção. A minha embriaguez era aquele perfume e aquela gargalhada que ele dava, sempre que eu dizia tipo. Dizes tipo a cada frase, dizia ele. Mas tipo é um advérbio de modo, respondi. Tipo não existe, disse. Mas, tipo, eu digo o que me apetece a um sábado à noite. Isso é bué engraçado, comentou ele. Ninguém com mais de 15 anos pode dizer bué, disse-lhe. Mas bué é um adverbio de quantidade, respondeu. Entre o tipo e o bué, tu ganhas na estupidez verbal, respondi.
Já tinha dado a noite por terminada, concluído que ele era um deus do Olimpo a todos os níveis e estava pronta para me ir embora dali para fora. Não é que a companhia não fosse boa, que era. Mas, sejamos realistas, algo de decente pode acontecer depois das quatro da manhã? Não. Este é o teu carro?, perguntou quando parei em frente a um preto. É o meu carro, respondi. O meu está ainda um pouco longe daqui, levas-me até lá?, questionou. Porque não? Uma mera boleia. Agradecia se tivesse feito o mesmo comigo. E lá fomos, no meu carro, até ao carro dele. Parei, meti em ponto morto e olhei para ele. E ele saltou-me em cima com tanta rapidez que só tive de tempo de virar a cara e afastá-lo enquanto a boca dele me lambuzava o pescoço todo. A sério que ele achou que íamos, sei lá, enrolar-nos no meu carro ali na 24 de Julho? Eu só o olhei para me despedir. Não foi um olhar de come on baby light my fire, foi um olhar de vai-te lá embora que estou a morrer de sono com um pouco de espero que me ligues amanhã. Porque é assim que as coisas são. É por isso que um Toyota demora 13 horas a ser feito e um Rolls Royce demora seis meses.
De repente, já o perfume dele me agoniava e só o queria ver dali para fora. Vi-me e desejei-me para me livrar dele que não parava de perguntar porquê? Porque é que não me deixas beijar-te? Porque é que estás sempre a virar a cara? Porque é que és assim? #hello? Isto assusta-me profundamente. Assusta-me que um homem conheça uma mulher e ache que, por ela lhe dar conversa, quer imediatamente saltar-lhe para as cuecas. Demorei uns bons 15 minutos para me livrar do fulano e meti pé a fundo no acelerador pela marginal fora até casa.
Obrigada por me teres deixado lá com o fulano. Estive a desinfectar o meu pescoço, escrevi, meio adormecida às seis da manhã, numa mensagem para o meu amigo. Deitei-me na cama, já o dia começava a nascer lá fora, com a certeza absoluta de que esta noite me ia valer mais uma ruga na testa.
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