Numa altura em que o drama não era tão julgado como hoje – em que colocamos um like em todos os fins de relações virtuais – as pessoas amavam intensamente. Oh se amavam. Sem medo. Sem vergonha do que os outros iriam pensar. Sem receio de serem filmados ou fotografados e, posteriormente, gozados nas redes sociais. A primeira vez que me apaixonei escrevi longas cartas de amor que, no fim das aulas, colocava no correio dele e rezava para não ser a mãe a abrir. E os beijos que troquei com o irmão de uma colega minha no muro atrás do refeitório sem ninguém ver? E o meu primeiro namorado (por favor, têm de ler a história dele) e os longos telefonemas à noite? Já me tocaram Wonderwall de Oasis à janela do quarto (sendo que eu morava no terceiro andar e meia rua veio à janela ver o que se passava). Um amigo vestiu-se de Axl Rose no carnaval para irmos juntos a uma festa. Outro escreveu numa folha as dez coisas que fariam de mim a namorada ideal (nunca chegámos a ser namorados mas guardei essa folha até hoje). Um rapaz que conheci um verão ofereceu-me papoilas vermelhas e um perfume Kenzo por ter… papoilas (que eu adorava). Sempre que cheiro Kenzo, lembro-me dele. Chamava-se Rafa e nem sequer sei o apelido para o poder pesquisar nas redes sociais. Portanto, tornou-se apenas uma memória bonita.
Naquela altura não havia chats, nem likes, nem fotografias, nem Facebook, nem email, nem skype e a única forma que tínhamos de mostrar que gostávamos de alguém era através daquele gesto velhinho e estranho, sabem? Chamado: demonstrar. Tínhamos que demonstrar. E tínhamos que ter cojones. Romântico não é? Então porque é que não continuamos a amar como nos anos 90? Porque é que continuamos a gostar de homens que estão três dias para nos responder a um Whatsapp quando, nos anos 90, trocávamos números de telefone de casa em papéis e, ainda assim, conseguíamos ter a habilidade de conversar todas as noites?
Há tanta coisa que as relações de hoje precisavam de ter novamente…
Não podíamos conhecer pessoas na internet. Tínhamos mesmo que ter a coragem de as abordar na rua, nos cafés, nos museus, nos autocarros e torcer para que não fossem malucas. Era tudo muito cru, muito desajeitado, muito natural e sem grandes embelezamentos e, vejam lá, as pessoas apaixonavam-se mesmo sem fotografias em fato-de-banho e selfies cheias de filtros. Porque nos apaixonávamos pelo mistério, pelo sorriso, pelos olhares que se trocavam. Hoje se alguém for misterioso, meu Deus, só pode ter um problema qualquer. Porque hoje mostramos tanto da nossa vida que não deixamos que os outros nos tentem conhecer. Hoje sabemos tanto uns sobre os outros que, na verdade, acabamos por não saber nada. Hoje falamos tanto todo o dia que, na verdade, acabamos por não dizer nada. É tudo virtual. Tudo irreal. Falamos por chats e stories e facebooks e snapchats e instagrams e whatsapps mas perdemos aquilo que realmente dava cor à nossa vida – o telefone tocar e ouvirmos aquela voz… a voz com que andávamos a sonhar o dia inteiro a questionarmo-nos se ele iria ou não telefonar.
Imaginem simplesmente um mundo sem redes sociais, selfies estúpidas e chats no telemóvel. A nossa vida era tão mais simples. E também o amor. Não passávamos horas a navegar numa aplicação a ver homens (e mulheres) eternamente à procura da próxima pessoa melhor. A pessoa de quem gostávamos era a melhor. E não nos preocupávamos com a próxima e a próxima e a próxima. Claro que também havia drama. E sofríamos – sofríamos muito! Mas, felizmente, não tínhamos uma audiência virtual a julgar-nos com o botão do like. Não nos preocupávamos com os dramas de ter de apagar alguém do Facebook ou deixar de seguir no Instagram ou – Jesus Cristo! – ter de actualizar o status da relação para meio mundo ver.
Sofríamos em silêncio na solidão da nossa casa. Ouvíamos músicas de amor intensas e absolutamente sofridas sobre histórias de amor alheias tão tristes quanto as nossas. E aprendíamos com isso.
Se muitas músicas de hoje nos ensinam a esquecer um amor com uma noite de sexo ou a vingarmo-nos com o melhor amigo dele, as músicas dos anos 90 diziam-nos que aquela pessoa era a única que nos faria sobreviver. Não havia mais nada para lá do amor. As músicas diziam-nos para continuarmos a demonstrar o nosso amor, para acreditarmos, para lutarmos por essa pessoa. Pearl Jam cantava-nos sobre o amor de que iríamos ter saudades a vida toda, Alanis Morissette sobre o eterno homem casado que amamos em segredo, Sinéad O’Connor sobre aquele homem que perdemos e continuamos a amar com a nossa vida, Aerosmith cantavam sobre aquele amor que nos mata, os Green Day sobre a sua imprevisibilidade, os Incubus sobre amar apesar do que quer que seja que o dia de amanhã traga e mesmo na música pop dos adolescentes, Spice Girls cantavam-nos sobre o amor que precisamos, os BackStreet Boys gritavam para pararmos de brincar com o coração deles, o Ronan Keating (lembram-se dele?) cantava sobre aquele amor que, mesmo sem falar nada, conseguia iluminar a escuridão, os Savage Garden sobre amar mais alguém que a nossa própria respiração. Era tudo violento, intenso, excessivo, febril, ardente. Mas era amor.
E nós aprendemos com isso. Aprendemos a amar com essa intensidade. Com essa dureza. Essa exuberância. Essa expressividade.
Então porque nos desleixámos para meia dúzia de fotografias trocadas numa aplicação e conversas sexuais às duas da manhã por mensagens para aquecer o coração?
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