Acabei o ano a ler uma coisa que esteve quase a activar o meu neurónio louco – aquele que me faz comentar coisas nas redes sociais e entrar em discussões virtuais que desgastam e nos fazem perder a fé na humanidade.
Vi um story de uma miúda qualquer que dizia: omg quando reparas que tens mais seguidores que a J.K.Rowling. Não era portuguesa mas aplica-se a todos nós. E eu imediatamente fui procurar a J.K.Rowling no Instagram para ver que a senhora tem qualquer coisa como 70 mil seguidores. Tão pouquinhos, não é? Coitada. Parece tão importante mas, afinal, só tem 70 mil seguidores. Que fraude!
Deixem-me só dar aqui algumas informações: a J.K.Rowling vai ficar para a história, mudou a literatura mundial e está entre os 5 livros mais vendidos de sempre (enquanto livro individual, neste caso relativo ao primeiro livro da Pedra Filosofal que vendeu 107 milhões de livros), logo ali atrás do Principezinho (que vendeu 140 milhões). Enquanto série, a saga Harry Potter tornou-se a saga mais vendida na história da literatura, de todos os tempos e em qualquer língua. Até agora, vendeu qualquer coisa como 450 milhões em todo o mundo e ultrapassou todas as outras sagas poderosas de outros autores como Dan Brown, R.L. Stine (que escreveu os 62 livros da série Arrepios nos anos 90, eu adorava e li imensos), George R. R. Martin (As Crónicas de Gelo e Fogo, já não gosto assim tanto e nunca li), Enid Blyton (dos livros do Noddy), C.S. Lewis (As Crónicas de Nárnia) e tantas outras.
Enquanto livro individual, a coitada da J.K. Rowling que só tem 70 mil seguidores no Instagram passou à frente de autores históricos como Agatha Christie, J. R. R. Tolkien (O Hobbit), Gabriel García Márquez (Cem Anos de Solidão), Vladimir Nabokov (Lolita), Johanna Spyri (Heidi) ou Lew Wallace (Ben-Hur).
E as influenciadoras/instagramers/youtubers fazem o quê?
Se calhar estão a pensar que tenho inveja, cobiça, ciúme e tantos outros adjectivos depreciativos e estou aqui ressabiada a desdenhar de algo que nunca vou ser.
Mas deixem-me já dizer-vos que não e a razão é muito simples: esse nunca foi o meu chamamento. Odeio estar em frente a câmaras, faço sempre caras bizarras, perco a naturalidade e pareço meio retardada. As minhas mãos começam a suar, o coração a palpitar, a língua seca-me e nunca no meu perfeito juízo me iria colocar nessa posição por vontade própria.
Então, estar sentada em casa a falar sozinha para um ecrã sobre a minha maquilhagem, a minha roupa ou os meus sapatos parece-me, na verdade, demasiado enfadonho. Eu não vejo, não gosto, não tenho interesse. Mas isso não significa que não respeite quem gosta, quem se interessa por isso ou quem se divirta a fazê-lo.
Há espaço no mundo para tudo. E já cantava a Britney, there’s only two types of people in the world, the ones that entertain and the ones that observe. E claro que quando falamos de entretenimento, podemos falar de mil e uma coisas. Há quem se entretenha a fazer vídeos no youtube sobre maquilhagem, há quem prefira escrever um livro. E tudo é válido. Só não podemos colocar tudo no mesmo saco porque é aí que se torna grave.
As redes sociais tornaram-se um perigo para a noção antropológica daquilo que somos: uma sociedade. Porque tornaram esta sensação falsa de sucesso um objectivo de vida que impede a evolução cultural. Quando tudo gira à volta de seguidores e números e se faz toda uma vida em prol disso, a coisa já está mal parada. Esta obsessão em comprar likes, seguidores e sei lá que mais é uma fixação estúpida que não significa nada.
Se pensarmos em nós como uma sociedade, estamos, por isso, regidos por uma série de deveres e responsabilidades. É por isso que somos obrigados a ir à escola, que temos de aprender, de estudar para mais tarde trabalhar e, com isso, contribuir para a evolução da nossa sociedade. Isto é chato, eu sei. Mas não é fácil dar um abano às redes sociais sem soar demasiado tediosa.
O que eu vejo é toda uma geração que quer deixar de estudar e/ou trabalhar para se dedicar às redes sociais, a ser youtuber ou blogger ou instagramer ou o que seja. E isto são profissões modernas, é certo. São uma nova forma de contar histórias. Mas nada disto é palpável. Logo, nada disto é real. É como querer ser famoso sem ter um talento. Ou querer ser uma Kardashian que, digamos, não é o melhor dos exemplos a seguir na vida real porque não vivemos num reality show.
Ninguém vai ficar para a história como a pessoa que no ano X teve mais seguidores numa rede social. E, além disso, muitas destas modas são passageiras como tantas outras o foram no passado. Se não usarem este sucesso virtual para atingir coisas reais (como os influenciadores inteligentes estão a fazer), tudo isto vai desaparecer mais cedo ou mais tarde.
Eu sei que não nascemos todos para mudar o mundo. Mas fazemos parte dele. Uma rapariga achar-se mais influente que a J.K.Rowling porque tem mais seguidores numa rede social é assustador de tão absurdo que é. Mais valia ir para a Casa dos Segredos onde este comentário se calhar até ia ter piada. Mas isto tem de ser falado às gerações mais novas.
Liguem menos a seguidores. Menos a números. Façam mais na vida real. Tenham ideias. Concretizem-nas.
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