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Foto do escritorHelena Magalhães

Diários do Tinder: o Paulinho e a noite de sexo em Paris


Conheci a, vamos chamá-la assim, Jéssica através de uma amiga que estava a tirar um curso com ela. E a Jéssica tornou-se uma conhecida – também não vou exagerar a dizer que era amiga. Bem, mas a Jéssica não tinha muito a ver connosco e todas as nossas conversas caíam invariavelmente nas suas histórias e no quanto nós – eu em especial – somos caretas. E bem, sempre que me sinto mais deprimida, lembro-me da Jéssica e penso graças a Deus que sou careta.


Encontrei a Jéssica esta semana e, depois de muito insistir, lá fui tomar um café com ela. Estás a brincar comigo que não usas o Tinder?, perguntou-me a Jéssica, enquanto me mostrava a carteira (porta-moedas vá, não exageremos) Louis Vuitton que tinha recebido de oferta. De quem?, perguntei. E é aí que a história se torna interessante. E, para a careta que eu sou, bizarra.

Iam para Paris com um estranho que vos poderia roubar um rim?

A Jéssica começou a falar na semana passada com o, vamos chamá-lo assim, Trouxa. E percebeu imediatamente que o Trouxa tinha dinheiro. Três dias depois, a Jéssica estava a ir passar o fim-de-semana a Paris com ele. E aposto que vocês estão a pensar exactamente o mesmo que eu pensei (ou as caretas como eu, pelo menos): a Jéssica teve de pagar muito bem a viagem a Paris. E pagou, claro que sim. Contou-me os restaurantes onde foram jantar, as coisas que ele lhe comprou e o hotel onde ficaram. A viagem foi fantástica. Que trouxa, disse ela.

E depois?, perguntei à Jéssica. Depois o quê, respondeu-me, revirando os olhos porque, porra, eu sou mesmo careta. Olha aqui este com quem estou a falar, vamos jantar amanhã, disse ela. Onde?, perguntei. À Bica do Sapato, disse-me. A Jéssica escolhe-os a dedo.

A primeira coisa que eu penso é: ou eu sou mesmo careta, ou o tipo podia tê-la assassinado, raptado ou tirado um rim para vender no mercado negro e poder comprar mais carteiras Louis Vuitton a outras raparigas do Tinder.

A agulha que é um tipo decente no palheiro que é um mar de idiotas

Contei isto a um amigo, enquanto repetia constantemente coisas como foda-se, o Tinder é uma merda, que me disse: o Tinder é um mero reflexo da sociedade moderna e a forma como as pessoas veem as relações. Que sábio que me saiu. Tal como temos de procurar na vida real por uma agulha que é um tipo decente num palheiro que é um mar de idiotas, o mesmo acontece no Tinder.

Foi por isso que ontem de manhã voltei a instalar (já não ligava a aplicação desde esta crónica) e pensei em falar com o tipo mais normal possível e ver se era um tipo decente. Juro que queria conseguir ter esperança no Tinder e deixar de ser sarcástica. Queria dizer foda-se o Tinder afinal tem gente porreira. Segui todas as regras à risca. TODAS: evitei tipos com selfies, com fotos no ginásio, ao espelho, com erros ortográficos no perfil, com copos na mão, com os amigos em eternas férias de adolescentes em discotecas. Trocando por miúdos, evitei todos os géneros de que falei nesta crónica o ano passado. E cheguei a um.

Apresento-vos o Paulinho. 


O Paulinho que me queria dar vinho. 

O Paulinho tinha meia dúzia de fotografias banais, tiradas num contexto em que alguém o fotografou. Meu Deus, o Paulinho parecia efectivamente normal. Só pode ser um assassino, só pode. Tinha pinta, parecia simpático pelas fotografias e a primeira coisa que me disse foi: és misteriosa – em referência à minha fotografia onde não se via a minha cara porque tinha um leque até à altura dos olhos.

Disse-me onde trabalhava, o que fazia, contou-me algumas coisas dele, fez-me meia dúzia de questões sobre mim, disse-me que o que eu fazia da vida parecia ser interessante (escrever, claro) falámos sobre esta mania dos homens tirarem selfies idiotas ao espelho, ele disse que preferia falar noutros sítios que não o Tinder. Eu sugeri um café e voilá. 


Coitado do Paulinho que perdeu um dia de conversa comigo e, afinal, não me levou para sua casa à noite. Mas quem é o Paulinho, afinal? Somos nós todos – em busca de um pouco de amor virtual que tape o buraco do amor real. Somos uma geração que prefere saltar todos os capítulos e ir directamente ao final. Porquê? Porque há mais pessoas à espera de ser encontradas. Há mais pessoas à espera de um “sim” numa aplicação. Há mais pessoas com quem trocar juras de amor virtuais que nos aconcheguem os pés nessa noite.

Ao fim e ao cabo, o Paulinho não tem culpa. Ele está no sítio certo. E foi directo ao assunto. Não se deixem enganar por uma app de sexo que nunca vai deixar de o ser. Porque é o reflexo daquilo que se procura aos dias de hoje. Talvez existam por lá muitas agulhas perdidas mas, como na vida real, também são difíceis de encontrar.

Há quem nos queira levar para Paris. Há quem nos queira dar a beber vinho. E há quem nos queira conhecer cá fora, ao sol, numa esplanada, num café, num cinema depois do trabalho. A escolha é sempre nossa.

Eu voltei a apaguei o Tinder. Por mais um ano, talvez.

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