Para todos aqueles que torcem o nariz ao ver um romance histórico, este é, sem dúvida, um bom começo para mudarem a vossa opinião. Narrado em género de biografia, mas com uma escrita bastante leve, conta a história de Carlota Joaquina, esposa do rei D. João VI, também chamada de “a Megera de Queluz”, só para poderem entender já a peça desta senhora.
Ao longo do livro, além de conseguirmos mergulhar de cabeça em toda a vivência da época, nos problemas que assolavam o nosso Portugal no início do século XIX, com o começo da revolta do povo contra a soberania da nobreza, é interessante a forma como o romance e a História se casam de uma forma tão natural. Se foram daquelas pessoas que, na escola, se rebelavam contra a disciplina de História por ser tãaaaao chata, vão achar esta biografia surpreendentemente engraçada.
Só em género de curiosidade, Carlota Joaquina foi casada aos 10 anos com D. João Maria de Bragança (que viria a ser o rei D. João VI) numa tentativa de unir Portugal e Espanha. De uma criança querida, tornou-se uma jovem caprichosa, violenta e com sede de poder numa corte que receava as suas origens espanholas. E o que eu mais gosto é a forma como estes romances históricos se entrelaçam com outros porque estamos a falar de personagens reais da nossa História. No outro dia, falei sobre alguns dos últimos livros que tinha lido e, entre eles, estava a Marquesa de Alorna de Maria João Lopo de Carvalho. Ora, a Marquesa de Alorna, uma grande poetisa, mulher muito avançada para o seu tempo e que defendia que as mulheres deveriam aprender ciência e não apenas a bordar e a tocar piano, também entra neste romance ao ter sido Dama de Honra de Carlota Joaquina, embora os planos para que a futura rainha terminasse a sua educação com a marquesa tivessem falhado.
Eu que adoro falar de empowerment, acho que este é um bom livro para se compreender o papel das mulheres no poder e a forma como as rainhas, naquela altura, também se envolviam com grande força nas políticas do país – mesmo que de uma forma indirecta. Carlota Joaquina, ao rebelar-se contra o facto de, por ser mulher, ser excluída das decisões, prendeu o próprio marido (sim, o Rei), declarando-o fraco e incapaz de lidar com os assuntos do Estado, tal como a sua mãe (a Rainha D. Maria I, que ficou louca). Acabou por ser exilada no Palácio de Queluz, daí o nome “megera de Queluz”, onde continuou a tentar promover conspirações para derrubar D. João VI.
Depois da morte de Carlota Joaquina, nunca mais uma espanhola voltaria a ser rainha de Portugal ou uma portuguesa rainha de Espanha, tendo-se rompido uma aliança e uma tradição que já vinha desde o tempo de D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques.
Há episódios em que, ao ler, me fartei de rir e outros que são chocantes pela forma como os objectivos desmedidos de poder não veem limites, sendo rainha ou não. Se aplicarmos isto aos dias de hoje, vemos que pouco ou nada mudou numa sociedade onde poder e dinheiro passam por cima de tudo e todos.
Carlota Joaquina, O Pecado Espanhol de Marsilio Cassotti, publicado por Esfera dos Livros.
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