Este era um texto que já tinha escrito há muito tempo mas que, como em tudo na vida, senti que precisava de alguma maturação. Ou de assentar as ideias e voltar relê-las mais tarde para ver se ainda sentia o mesmo. Porque – acreditem – há imensos textos aqui que, quando os volto a reler, tenho uma vontade louca de os apagar. Ou porque as minhas opiniões mudaram, ou porque os escrevi num momento de tensão ou até porque já não sinto os temas da mesma forma. Mas, ainda assim, tenho-me mantido fiel às minhas próprias emoções e estados de espírito e (ainda) não apaguei nada. Tudo o que lêem – quer no momento, quer meses depois – continua na mesma forma crua e emocional da altura em que foi escrito. E este é um trabalho interno que tenho vindo a fazer – aceitar que, depois de publicado, não posso alterar nada. Tal como se tivesse sido publicado em papel. É essa a obrigação do escritor e até uma forma de não defraudar o leitor.
Eis então porque me questiono se vale mesmo a pena a quantidade de tempo que perco a ver as redes sociais quando, na prática, não me deixam feliz. E deixarão alguém?
Redes sociais, vida real, divertimento e solidão
Há uns tempos fiz uma limpeza ao instagram e deixei de seguir umas 150 pessoas. Ora contas de marcas, ora contas de insta-celebridades, ora contas de pessoas que, na verdade, não me apetecia ver. Não amigos, claro, porque esses são poucos e interesso-me pelo que partilham. Mas conhecidos. Porque isto de conhecermos as pessoas e sabermos (muito ou pouco) da sua vida real faz com que, quando as vemos na sua vida virtual, nos sintamos enjoados com a quantidade de – desculpem-me – merda que publicam.
Queria então analisar porque vemos redes sociais. Talvez para nos inspirarmos, certo? Para nos rirmos. Para nos divertirmos. Para ficarmos um pouquito mais felizes de manhã a caminho do trabalho ou na hora de almoço enquanto deambulamos com o telefone na mão. Para aprendermos qualquer coisa. Para coscuvilhar até a vida alheia. Para viajarmos sem sair de casa. Para ver sítios diferentes. Para ver comidas que queremos experimentar em casa. Para conhecer estilos de vida de pessoas do mundo inteiro. Este é, para mim, o lado bom das redes sociais. E sigo pessoas do mundo e adoro ver as suas casas, o que comem, onde vão, o que usam, o que leem, como se vestem e retirar daí algo novo para a minha vida. Esta internacionalização que só se tornou possível com a internet é mágica e abre-nos os horizontes. Tem o poder de nos tornar até pessoas melhores. Mais instruídas. Mais abertas ao estranho, ao diferente. É cultura. É riqueza. É informação útil.
Mas isso não acontece se seguimos demasiadas Kardashians e insta-porn-stars e uma quantidade abstrata de gente que partilha uma quantidade de merda irrelevante que só nos torna mais fúteis e burros. Mas ainda assim, também é bom ver este lado mais faits divers da vida. Eu adoro ler e ver filmes e séries e documentários mas também adoro ver reality shows e torcer por coisas tão parvas como o Gaz ficar com a Charlotte no Geordie Shore. Isto faz de mim uma pessoa fútil? Não. Faz de mim uma pessoa normal que se diverte com uma quantidade ínfima de coisas – umas boas, outras más.
Só que as redes sociais também nos permitem entrar na vida dos outros e deixar que os outros entrem um pouco na nossa vida. E temos vontade de partilhar tanto (e demais, até) e, em troca, ter mais likes, mais comentários, mais seguidores, mais marcas, mais dinheiro que perdemos a noção do que partilharmos e da percentagem de realidade que estamos realmente a passar. E será essa realidade virtual aquilo que, na vida real, nos faz feliz?
Eis porque deixei de seguir tanta gente portuguesa
Porque me sentia irritada todas as manhãs ao ver as suas fotografias e os seus vídeos de uma vida fantástica que não e é real. E isto é tóxico. Faz-nos desejar ter essa felicidade e, quando não a sentimos, culpamo-nos a nós. Porque a nossa vida é uma merda. Porque não temos aquele namorado, aquelas roupas, aquela maquilhagem oferecida, não fazemos aquelas viagens, não acordamos daquela forma, o nosso namorado não nos faz aquelas surpresas, não vamos àqueles sítios, não temos aquele corpo… e podia continuar.
Mas sabem o que é que acontece por trás daquela foto perfeita? Tal como a Vânia me contou na minha primeira história de Girl Power, na maioria das vezes o que acontece é… nada. Mostramos o que queremos e não aquilo que realmente sentimos ou vivemos.
Seguia pessoas que mostram uma relação virtual perfeita mas, na vida real, os namorados não lhes tocam, não se sentem amadas, desejadas nem sequer felizes. Mas partilhar uma fotografia juntos dá muitos likes e isso é que interessa. Seguia pessoas que mostram uma vida cheia de coisas mas, na vida real, mal têm dinheiro para comer porque gastam tudo a comprar roupa e maquilhagem para mostrar nas redes sociais. Seguia pessoas que mostram um estilo de vida incrível mas, na vida real, passam o dia agarradas ao telemóvel e à máquina fotográfica, deixaram os estudos e os empregos para tirar fotografias que dão likes em sítios que dão likes com roupas que dão likes. Seguia pessoas que apelam à felicidade e ao aceitarmo-nos como somos mas, na vida real, são tristes, deprimidas, alteram as suas fotografias, colocam tantos efeitos que, no fim, aquilo que publicam é um desenho animado de si próprias mesmo que gritem aos sete ventos que se aceitam com todas as suas falhas.
E isto é o quê? Tóxico. Estar diariamente a receber este tipo de informação que sabemos que não é real, é tóxica. Fica a matutar no nosso inconsciente. Deixa-nos irritados. É por isso que as redes sociais nem sempre nos fazem bem. E contribuem para uma solidão que afecta cada vez mais pessoas.
Talvez o mais importante seja saber filtrar o que se partilha
No outro dia, houve alguém que me disse: tu escreves sobre a tua vida pessoal e, ainda assim, mostras menos do que as outras pessoas. E isto deixou-me a pensar que talvez esteja no bom caminho. Porque escrevo sobre coisas pessoais, é certo. Mas é uma parte da minha vida já editada. O que lêem são histórias. A maioria delas pertencentes ao passado, o que me dá tempo de as maturar. É este o poder das crónicas: escrevê-las já com um certo conhecimento que só o tempo nos dá permite-nos inspirar o agora. O nosso passado inspira o presente das pessoas. E todos temos a aprender com isso. Durante os dois anos em que escrevi a crónica O Amor é Outra Coisa, estava a viver mil e uma outras coisas diferentes que não estava a partilhar. Algumas dessas coisas acabaram por inspirar ao livro.
Mas no momento real não me fazia sentido estar a mostrá-las. Porque a vida é imprevisível. E como não vivemos um guião pré-escrito e que podemos reescrever à nossa maneira, quando as reviravoltas da vida se dão, não temos tempo de as editar para, nas redes sociais, mostrarmos apenas o lado bom. Então, vamos ficando em relações de merda com pessoas que nos tratam mal mas já mostrámos tanto e recebemos tantos likes quando publicamos fotografias juntos que agora não queremos assumir publicamente que essa relação falhou. Que aquela felicidade de conto de fadas não era real. Que depois daquela fotografia juntos a rir na cama, cada um ia para seu lado. E isto aplica-se a tudo e não só às relações virtuais. Mas esta é a praga das relações modernas – o querer partilhar tudo com o mundo como, aliás, já tinha escrito neste post.
Claro que não sou extremista. É bom partilhar aquela viagem que estamos a fazer. Aquela praia onde fomos. Aquele bikini novo tão giro que comprámos. Aquele jantar com as amigas. Aquela tarde no café. Aquele restaurante novo. Aquela vista gira de Lisboa. A nossa decoração da casa. Os nossos gatos. Podemos partilhar tudo e mais alguma coisa e, ainda assim, não partilhar demais. O filtro depende de nós e da tónica que damos ao que mostramos.
Só depende de nós tornar as redes sociais um local feliz. Com mais realidade e menos filtros. Mais amor e menos ódio. Mais inspiração e menos ostentação. Mais mensagens positivas, mais cultura, mais diversão.
No geral, mais vida e menos obsessão com likes.
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