Fui ver o A Star is Born no fim-de-semana. Tirando o impacto inicial de continuar a ser uma adolescente com trinta anos que vive diariamente num musical e todos os filmes que envolvem músicas mexem imenso comigo, cheguei ao fim a sentir que havia tantas mensagens a retirar que nem estava a conseguir organizar as ideias.
Não vi os três filmes antes deste mas já estive a ler que todos fizeram um retrato fiel do que era a fama na altura. E este filme representa de uma forma extraordinária o mundo em que vivemos. E sejamos honestos, o turbilhão de emoções que é duas pessoas conhecerem-se por acaso e as suas vidas se unirem numa montanha-russa é do que os sonhos de Hollywood são feitos. A história é bastante pragmática, a banda sonora e os espectáculos são – vou dizer uma asneira – do caralho de tão bons e, por último, há várias mensagens ao longo do filme que podem (e devem) ser mais exploradas.
O sucesso depende de trabalho, de sorte também e, acima de tudo, de tempo
Hoje vivemos numa época de merda em que desejamos gratificação imediata em tudo o que fazemos. Isto aplica-se tanto às relações (com todas estas app de catálogos de pessoas em que não nos conseguimos realmente conectar com ninguém porque há mais e mais e mais pessoas à nossa volta), como aos nossos sonhos e objectivos. Hoje queremos fazer qualquer coisa mas queremos ter sucesso imediato. Queremos ser famosos, queremos ser virais, queremos dinheiro, contratos, marcas, ter redes sociais cheias de seguidores, canais de YouTube com milhares de subscritores. Queremos tudo aqui e agora. Mas qualquer carreira demora tempo a arrancar. Nada de bom acontece aqui e agora e isto é uma mensagem que esta geração das redes sociais tem de aprender.
A Ally é uma cantora que trabalha num restaurante e, ao fim-de-semana, canta num bar de travestis. Ela tem talento, ela tem um dom, ela pode ser a melhor naquilo que faz. Mas ainda não conseguiu sucesso. E ela continua a tentar. É isso que falta a esta geração: aprender a tentar. Porque são precisos muitos factores para atingir o sucesso: ter talento, é certo, mas também estar no sítio certo no momento certo e uma grande dose de sorte. A Ally recebe-a quando conhece o Jack. Todos nós vamos ter este momento de sorte de mil e uma formas. Só temos de estar atentos para a agarrar.
Todos desejamos fama. Mas estamos preparados para ela?
Hoje em dia toda a gente quer ser famosa. Até porque as redes sociais abriram-nos essa porta. E este filme mostra de uma forma tão crua, e de certa forma fascinante, a realidade do que é a fama moderna. A fama é feita de uma multidão anónima, virtual e predadora que nos fotografa e tira selfies sem sequer pedir a nossa autorização. Este é o tipo de fama que matou a Amy Winehouse, por exemplo, alguém com um talento de outro mundo que nunca desejou a fama que teve.
E a exposição que fazemos das nossas vidas nas redes sociais contribui para este monstro que é o público virtual que quer mais e mais e mais. Quando digo que esta geração se expõe de uma forma perigosa nas redes sociais em busca de uma fama vazia, não o digo como crítica. Digo-o apenas do ponto de vista prático de que a maioria das pessoas que procura fama não tem nada para dar. Muito ao género das Kardashians que, à falta de talento, tiram selfies nuas para as redes sociais. Se esta é a fama que vocês procuram, é fácil lá chegar. Mas quando, um dia, quiserem fechar a porta da vossa casa, estão preparados para o monstro que criaram?
Muita gente tem sorte mas não tem talento
E isto é uma coisa que digo a mim própria todos os dias quando ando por aí a ver coisas pelas redes sociais ou imprensa. Acho que o meu primeiro livro correu (e está a correr bem). Mas podia ter corrido melhor, claro. E eu passo a vida a ver pessoas que provavelmente não têm muito talento mas têm muita, muita sorte. E isto vai acontecer em qualquer área e com qualquer pessoa. Aqui no filme está de forma divertida representado pelo pai da Ally que diz que é melhor que o Frank Sinatra, só não teve sorte. E há uma mensagem poderosa dita pelo Jack: qualquer pessoa tem talento mas apenas algumas têm algo a dizer ao mundo. E nesta era das redes sociais esta dualidade nunca foi tão relevante.
Isto pode aplicar-se a todos nós e ao que andamos a fazer e as mensagens que andamos a deixar no mundo. Se o vosso dia a dia se foca em tirar fotografias das vossas roupas ou dos cremes que usam, o que é que têm para dar ao mundo? Ou de que forma a vossa pegada virtual vai contribuir para a carreira que vocês querem ter?
Temos de acreditar nos nossos instintos e arriscar
O Jack diz ao longo do filme várias vezes à Ally “tens de confiar em mim”. E às vezes é mesmo isto. Só precisamos de confiar, quer em nós, quer nas outras pessoas. E, acima de tudo, não pensar demasiado nas coisas nem ficar a analisar tudo ao pormenor. E todas as coisas que nos vão aterrorizar, temos de dar um salto de fé e arriscar nelas. A vida é mesmo isto: correr riscos porque algumas das maiores recompensas vêm de fugirmos de tudo aquilo que parece seguro. A Ally despede-se do seu emprego para ir ter com o Jack a um concerto.
Se eu não me tivesse despedido do meu emprego em 2014, não estava aqui. Acreditem, eu estava apavorada. Ainda estou. Todos os dias vivo em medo. Medo de tudo isto correr mal, de ficar sem dinheiro, de não conseguir pagar a renda, de perder os meus trabalhos, de falhar, do meu novo livro ser um fiasco. Mas eu queria tentar. E foi isso que fiz. E ando a fazer…
Sejam vocês próprios
Desde o início até ao pico do sucesso, o Jack quer que a Ally seja quem ela é e que não mude pelo público e pela fama. Não é o estrelato dela que ele ressente, é o facto dela ter mudado pela fama. E isto aplica-se a todos nós. É difícil conseguirmos distinguir-nos neste mar de gente que parece melhor que nós em tudo. Mas o nosso sucesso está exactamente naquilo que somos e que mais ninguém é. Está na nossa singularidade. Se vocês estão a perder tempo a copiar os outros ao invés de explorarem aquilo que vocês são e o que têm para dar, o sucesso nunca vai chegar.
A nossa voz, especialmente no mundo de hoje com fama tão fácil, é uma das coisas mais importantes que temos para dar ao mundo. Vai haver sempre quem tem opiniões para dar, vai haver sempre quem vos quer mudar, quem vos quer impor outras ideias, quem vos quer calar, quem vos quer intimidar… mas por mais difícil que seja, sejam vocês próprios. Mesmo que o caminho mais fácil seja ceder ao que os outros querem que vocês sejam.
Usem as vossas palavras com cuidado
Para mim, há um momento-chave no filme: a cena em que o manager de Ally diz aquelas palavras ao Jack. Palavras de culpa. E nós não sabemos os demónios com que a outra pessoa lida dentro dela e de que forma vai interpretar as coisas que lhe estamos a dizer. Este é um trabalho que tento fazer diariamente porque sou uma pessoa muito impulsiva que, por vezes, explode e diz coisas que nem sempre são as melhores.
Este filme tem também uma potente mensagem sobre abusos, drogas, álcool e doença mental. No outro dia, diziam-me que muitos escritores usam cocaína porque isso lhes abre as portas da criatividade. Acredito que sim. Mas jamais me imagino a ir por tal caminho. E A Star is Born mostra-nos um homem com talento que luta diariamente contra o vício.
Há uma frase que gostei muito de um artigo do The Guardian: este filme é como a Cinderela com o protagonista a representar não só a fada madrinha que dá à mulher uma transformação, mas também o príncipe que se casa com ela e a madrasta malvada que tem de ser destruída para que a mulher possa viver feliz para sempre.
Para mim é, na verdade, o reflexo do medo da solidão, do esquecimento, da perda do amor e do talento. Medos intrínsecos a todos nós, quem quer que sejamos, onde quer que estejamos e o quer que façamos.
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