Eu cresci com a lenga-lenga que todos ouvimos. Ia estudar, ia ter boas notas, ia para a faculdade, ia ter um bom emprego daqueles para a vida, ia conhecer um homem bom, ia casar, ia ter filhos e, enfim, vocês sabem. É como se tivéssemos nascido com uma lista de obrigações a que temos de colocar check.
É isto que ouvimos desde que somos crianças. Estamos aqui para estudar, para trabalhar e para ter filhos. E isto faz sentido, eu sei. Estudamos para nos formarmos enquanto cidadãos. Trabalhamos para contribuir para a sociedade. E temos filhos para dar continuidade à espécie.
Mas isto é algo com que tenho vindo a debater-me nos últimos anos. Vejo à minha volta pessoas bem sucedidas, com bons empregos, salários de quatro dígitos com uma óptima vida, um bom carro, fazem compras todas as semanas e têm tudo aquilo que nos ensinaram a definir como sucesso.
É por isso que desde cedo aprendemos a definir-nos pelo nosso papel enquanto profissionais. Quando nos perguntam: o que é que fazes? Nós respondemos: sou isto ou sou aquilo. Sou advogada, ou médica, ou professora, ou enfermeira, ou educadora, ou designer… como se a nossa profissão fosse aquilo que mais nos define. E isso não faz mal. Até acho que é um sonho e uma sorte do caraças quem consegue ter uma profissão que vá de encontro aos seus interesses e habilidades inatas. É como costumam dizer: se fizeres o que gostas, não terás de trabalhar um único dia na vida.
Mas regra geral, esta é apenas uma filosofia que se aplica a poucos ou, como gosto de dizer, poucos têm coragem de dar um chuto no rabo da vida para a mudar. O que é que acontece com a maioria dos comuns mortais e com grande parte das pessoas que me rodeiam? Vivem absorvidas pelo trabalho, passam horas no trânsito para, depois, passarem horas em frente a um computador a fazer o mesmo e a ver as mesmas pessoas. E é aqui que muita gente erra. Quando definimos a nossa felicidade em termos do quão bem sucedidos somos nesse papel que, para nós, é o principal.
E a razão porque, nos últimos anos, me debati tanto foi porque nunca senti que a minha profissão me definisse nem que isso fosse reflexo do meu sucesso enquanto pessoa. Na altura, trabalhava no curso que tinha tirado – política social e, depois, criminologia na protecção de mulheres – e, embora sentisse que gostava de trabalhar nesta área, aquilo que fazia não me preenchia. Não me fazia sentir que tinha sido para isso que tinha nascido. Logo, não estava feliz porque não sentia que isso me definisse.
A mudança de vida
Despedi-me do meu último emprego “a sério” em 2015, fiquei sem nada, não tinha dinheiro nem para beber um café, vendi o meu carro, vivia com os meus pais e, para os outros à minha volta, não estava a fazer nada nem a concretizar nenhum sucesso, tampouco a aproximar-me disso.
Eu queria escrever e foi a isso que me dediquei. Dei a mim própria o prazo de um ano para estar a fazer dinheiro e, se tudo isso falhasse, iria então procurar um emprego qualquer que, pelo menos, me pudesse sustentar mas, ao mesmo tempo, me deixasse tempo e energia para continuar a tentar escrever.
Hoje – que faço o que acho que nasci para fazer – sinto-me muito mais bem sucedida do que todas as pessoas à minha volta com bons ordenados, boas casas, muitas compras, bons carros. Mesmo não tendo nada disso. E isto não é pejorativo nem quero dizer que me vejo melhor que elas. Nada disso. É apenas uma questão de realização pessoal. Não tendo nada do que toda a gente tem, acho que tenho muito mais.
Porque sabem o que é sucesso? É ter histórias de vida para contar.
Já fiz voluntariado com os sem-abrigo em Lisboa, entreguei refeições todas as segundas feiras à noite, trabalhei sem receber nada na pediatria do IPO, fiz projectos de igualdade de género com crianças e adolescentes, fiz voluntariado com idosos em lares e já conheci tantas pessoas e tantas histórias de vida que, sem perceber, enriqueceram e mudaram a minha. E fizeram-me perceber que não estava a levar nada da minha vida se tudo o que fazia no meu dia a dia era trabalhar em algo que não fazia o meu coração vibrar.
Todos os dias vejo pessoas à minha volta infelizes nos seus empregos, que saem de casa às oito da manhã e chegam às oito da noite, não fazem o que gostam, passam horas no trânsito e o dia fechados em escritórios com luz artificial para, no final do mês, receberem um ordenado de quatro dígitos que, pelo menos, reflita a vida que estão a dar àquele emprego.
E este salto entre escolher viver para trabalhar ou trabalhar para viver é algo que muita gente já dá muito tarde na vida porque o medo acaba por comandar as nossas opções.
Mas gostava de vos dizer que nós somos a soma das escolhas que fazemos ao longo do tempo. E para mim, foi sempre muito mais do que ganhar a vida. Antes, preferi fazer uma vida.
Eu sei que tenho a sorte e o privilégio de ter conseguido dar esse salto e de hoje trabalhar exactamente naquilo que nasci para fazer. Mesmo que, com essa escolha, não me torne milionária. Mas há tanto para aprender na vida, tantas formas diferentes de viver, tantas experiências para absorver e tantas formas de ganhar dinheiro sem ser a dar doze horas do nosso dia a um patrão.
Porque ainda somos demasiado novos para nos preocuparmos com poupanças e reformas.
E a vossa família (para quem já tem filhos) é muito mais importante do que qualquer emprego que vocês tenham. Vai haver sempre trabalho mas vocês só têm uma família.
Assim, sempre que me pedem conselhos, eu só digo uma coisa: vão atrás do que faz o vosso coração bater. O que quer que isso seja. Pensem em como gostariam que as coisas tivessem sido quando olharem para trás daqui a cinquenta anos.
Porque tudo é possível. Até para uma miúda como eu que se despediu para viver da escrita.
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