Quando eu tinha 21 ou 22 anos apaixonei-me por um miúdo que andava na escola. Tinha 18 ou 19 anos, chumbado muitas vezes e ainda estava no décimo-primeiro ano ou coisa que o valha. Isto hoje em dia não significa nada mas, na altura, andava na faculdade e sair com um rapaz da escola era motivo de gozo entre as minhas amigas. No entanto, ele tinha tatuagens, um piercing na língua e era o epítome de tudo aquilo que não queria para mim, não obstante o facto de estar maluca por ele. Fazia-me sentir novamente adolescente e divertia-me imenso.
Eis que um dia estamos todos na praia em grupo, eu ando por ali a passear com um biquini minúsculo a sentir-me a maior estrela e um dos amigos dele grita: olha a Lena tem celulite! Na altura, caiu-me tudo. Lembro-me de ter ficado constrangida e de me ter ido sentar na toalha e nunca mais me ter levantado naquela tarde.
Até que observei o que eles faziam: eram miúdos tolos de 18 anos que provavelmente nem sequer sabiam onde é que era o clitóris de uma rapariga mas ficavam sentados nas suas toalhas a fumar e a ver as miúdas passar para fazer comentários como: é fixe pela frente mas parece um camião TIR por trás (nunca me esqueci desta) ou boas mamas mas um rabo cheio de celulite ou tem uma barriga michelin. E não, não era uma barriga nível estrela Michelin. Era uma barriga, para eles, de Bibendum, o bonequinho da Michelin cheio de pneus.
Eles não faziam a mínima ideia de como era o corpo de uma rapariga normal, idealizavam as modelos das revistas e, atenção, ainda nem sequer havia Instagram para este nível de falsa perfeição chegar à rapariga aparentemente comum igual a qualquer uma de nós.
A perfeição planeada que nos cria expectativas irreais e uma imagem corporal errada
Todos os dias vemos raparigas em biquini ou lingerie nas redes sociais. E o que me incomoda e chega a revoltar é a obsessão com a falsa auto-estima do “sou feliz com as minhas imperfeições” em fotografias cheias de filtros, photoshop e uma perfeição estudada ao milímetro.
E isto não são parvoíces das jovens, coitadinhas vamos lá deixá-las crescer. Não é. Porque vejo mulheres adultas, atrizes ou bloggers com alguma dimensão fazer exactamente o mesmo. A praticarem a falsa auto-estima com fotografias em fato de banho em que parecem bonecos de cera. Há uns tempos, lembro-me de ver uma blogger que já foi mãe a mostrar o seu corpo de lontra – disse ela, não eu – na premissa do: aceito-me como sou. A fotografia tinha efeitos tão mal feitos que se conseguia ver as zonas do corpo que tinham levado com um blur por cima – rabo e pernas.
Porque é que isto me revolta? Porque não sabemos quem está do outro lado. Porque não temos noção do impacto que a falsa propaganda que fazemos vai ter nas mulheres que nos seguem. E pior: que veem todas estas raparigas e mulheres aparentemente normais – como elas, como eu – e que pensam: foda-se, eu não sou assim.
A revista Time escrevia o ano passado que o Instagram é a pior rede social para a saúde mental e bem-estar dos adolescentes e jovens adultos. Embora tenha pontos positivos para a expressão da individualidade e de uma identidade, também foi associada a níveis altos de ansiedade, depressão, solidão e bullying. Porque as fotografias que se publicam podem criar expectativas irreais e sentimentos de inadequação e baixa auto-estima. O Instagram, em vários estudos que já foram feitos, recebeu mesmo as piores pontuações devido à sua contribuição negativa para a imagem corporal e ansiedade. A revista escreve mesmo: “O Instagram faz com que as raparigas e as mulheres sintam que os seus corpos não são bons o suficiente porque as pessoas adicionam filtros e editam as suas fotografias para que pareçam perfeitas.”
Ter celulite é normal. O que não é normal é esta palhaçada de se brincar às Barbies
Provavelmente muita gente já está a revirar os olhos e a pensar: lá vem ela com as suas lições de moral. Mas eu não sou uma influenciadora ou uma instagramer para tirar fotografias da minha roupa e falar do tempo porque está frio e ai meu Deus que nunca mais vem o calor para usar este fato de banho novo tão giro. Eu nasci para isto. Eu gosto de contar histórias. E gosto de partilhar ideias e de colocar quem está desse lado a pensar. É por isso que gosto de ir falando destes temas e gosto, acima de tudo, de falar às raparigas mais jovens.
Tive esta mesma conversa no outro dia com a Vera Dias Pinheiro onde lhe perguntei se ela se sentia confortável com a pressão da beleza-de-Instagram. E ela disse-me: ter celulite é normal, o que não é normal é esta palhaçada de se brincar às Barbies.
E sabem o que é que me incomoda mais? Saber que grande parte destas raparigas e mulheres que se fotografam em biquini, se enchem de filtros e ficam numa ânsia à espera de likes e de comentários a valorizar o seu corpo perfeito, no final do dia olham-se ao espelho e não gostam do que veem.
Porque é fácil falar de auto-estima no mundo digital e ficar feliz quando os outros nos aprovam e nos enchem o ego de comentários fofinhos. Difícil é olhar para nós longe dos likes dos outros e gostarmos daquilo que vemos e sentirmo-nos confortáveis na nossa própria pele.
Eu tenho 32 anos, consigo ver em meio segundo quando uma fotografia está retocada e não ligo muito a estas coisas do corpo. Mas há quem ligue. Há quem não se sinta confortável. Há quem veja todas estas raparigas e mulheres no Instagram e se sinta uma desgraça por ver tanta gente bonita e tanta gente com corpos divinos sem uma imperfeição à vista. Porque se antigamente as modelos retocadas de Photoshop estavam apenas nas capas das revistas e a uma certa distância, hoje estão aqui ao nosso lado e são estas raparigas comuns que se retocam diariamente para mostrar uma imagem perfeita que não é real. E isto não é apenas grave para elas próprias e para a sua própria noção de beleza. Mas é ainda mais grave para quem as vê e inconscientemente se compara.
Claro que já sei o que vão dizer – porque já mo disseram vezes sem conta – ah tu só criticas porque não gostas do teu corpo. Acreditem, já me disseram isto. E é grave alguém pensar que quem não publica fotografias em biquini é porque não se sente bem. Eu tenho ziliões de fotografias em fato de banho. Tiradas em férias com amigos, na praia, na piscina, com poses, sem poses e nunca em momento algum que passou pela cabeça que as teria de retocar para me sentir confortável com elas. Tal como não sinto necessidade de encher o meu Instagram com essas fotografias.
Se coloco filtros nas redes sociais? Claro que sim. Altero a cor, torno as fotografias mais claras, mais brilhantes e bonitas no meu entender e na minha visão. Se uso filtros de apagar celulite, encolher barriga, empinar rabos e afins? Claro que não. Nem me daria a esse trabalho.
Qual o prazer de alguém em se fotografar, mudar todo o seu corpo e ficar feliz com comentários a elogiar esse mesmo corpo sabendo que não é real? Isto para mim não faz sentido nenhum. É até um pouco ridículo.
Hoje estamos constantemente sob pressão: pressão para sermos bonitas, populares, recebermos mil e uma ofertas de marcas, para termos um namorado fantástico, para sermos ricas, felizes, termos um corpo perfeito e uma vida, enfim, perfeita. Mas toda esta perfeição é uma treta. Porque nada disto é real. E nada no Instagram é real.
Todos nós somos parte deste problema. A culpa não é do Instagram mas sim da forma como nós o usamos. Todos nós criámos este mundo onde a falsidade é constantemente vendida como sendo a vida real. E isto causa danos graves à nossa mente, à nossa auto-estima e à nossa percepção da realidade e do nosso corpo e beleza.
O Instagram foi criado para mostrar momentos da nossa vida. Mas não era suposto que a nossa vida parasse para criar esses mesmos momentos altamente planeados e editados.
Então… para quem é influenciadora:
Parem de criar uma imagem irreal daquilo que são. Se querem e gostam de publicar fotografias em biquini, sejam honestas convosco e com quem vos segue e vos dá aquilo que vocês tanto anseiam: os likes. Não percam horas a editar fotografias, a retocar aqui, a cortar dali, a aumentar rabo acolá… Gostem mais de vocês. E não contribuam para esta realidade tóxica que nos rodeia todos os dias. Façam diferente. Sejam a diferença que gostariam de ver.
E para quem é seguidora:
Não acreditem em nada do que veem nas redes sociais. É tudo planeado, criado e editado ao milímetro para vender uma perfeição que ninguém tem. Todos os corpos são bonitos. Todas as mulheres têm a sua beleza. Se verem tantas fotografias perfeitas vos faz sentir mal convosco, deixem de seguir essas pessoas. Vocês têm a escolha de seguirem quem querem e vos faz sentir bem. Há cerca de dois meses fiz uma limpeza no meu próprio Instagram e deixei de seguir mais de 400 contas que, no final do dia, não me interessavam nem me faziam sentir feliz a vê-las.
E como podem ver: eu também tiro fotografias em fato de banho. A diferença é que não fico três horas a editá-las para parecer uma mulher perfeita que é coisa que não sou. E se não encho o meu Instagram com elas é apenas porque não vejo relevância em partilhar fotografias do meu corpo quando prefiro mostrar tantas outras coisas. Nunca em momento algum é porque tenho vergonha do meu corpo, não gosto dele ou não me sinto bem. Sou normal, também tenho alguns complexos. Mas não ao ponto de viver obcecada com isso.
Para quem vai já a correr escrever um comentário maldoso em como sou hipócrita ou falsa ou anti-feminista por atacar as mulheres, não percam o vosso (e o meu) tempo. É porque estão longe de entender o feminismo e a minha mensagem. E antes de comentarem que estou sempre a dizer o mesmo porque nada disto é novo, boa! Ainda bem que sabem disto. Mas dada a quantidade de mensagens que recebo neste tópico constantemente, se calhar este é um tema em que devemos continuar a tocar.
Love yourself ❤
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