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Foto do escritorHelena Magalhães

A era das insta-vidas: porque vivemos a nossa vida mediante as fotos que ela pode dar?


Eu sei que falo demasiado sobre isto mas são temas sobre os quais dou por mim a pensar recorrentemente no dia-a-dia. Com coisas que vejo nas redes sociais, na televisão, nas revistas, com ideias que troco com amigas e por aí fora. E fica quase impossível fugir porque isto acaba por estar escarrapachado à nossa frente quer queiramos, quer não.


Quão estranha é a nossa vida quando as redes sociais não são uma ferramenta para comunicar mas é, agora, o sítio onde vivemos e onde passamos o nosso tempo?

Deixámos de ter uma vida normal. Agora temos uma insta-vida, apenas vamos a insta-sítios, comemos em insta-cafés, saímos com os nossos insta-amigos, temos de ter as insta-coisas que toda a gente tem, queremos à força ter uma insta-relação, apenas comemos as insta-comidas, fazemos insta-viagens e vestimo-nos com as insta-roupas da moda. Não fazemos mais nada apenas porque gostamos. Fazemos tudo em prol daquilo que vamos comunicar no Instagram.


Parece que agora toda a gente é uma insta-pessoa mas, na verdade, isso só acontece no Instagram. A vida real continua a ser uma merda!


Na semana passada fui almoçar com uma amiga e estávamos a falar sobre isto. E ela mostrou-me dois instagrammers que se conheceram no Instagram e, como gostavam das fotos um do outro, decidiram encontrar-se (a história está aqui). Ele dizia que apenas viu a mensagem dela porque ela era verified (aquele certinho azul que, pelos vistos, é relevante nisto da insta-vida) e, voilá, o amor aconteceu. Agora vivem felizes da vida a tirar fotografias juntos, a ir à praia, ao ginásio, às festas, aos festivais e a somar fotografias e likes da sua insta-vida aprovada por uma audiência. Como não há-de uma geração querer esta vida que, à luz de um ecrã de telemóvel, parece tão perfeita?


Enquanto falávamos, eu comentei como toda a gente nas redes sociais se veste de forma igual – e nada real, já agora – mas quando olhamos à nossa volta, não se vê ninguém assim. E fizemos isso. Estávamos num café no Saldanha (que não é um insta-café) e não havia uma única pessoa a tirar fotografias ou vestida à Instagram – sabem, todas iguais. Eram apenas pessoas normais na sua vida normal. Porque essas pessoas ainda existem, felizmente. Mas esta insta-geração já não conhece isto.


Mas uns dias depois fui ao Fauna e Flora (este sim, neste momento um insta-café da moda) com outra amiga porque ela queria experimentar. Além dos cerca de quarenta minutos que ficámos à espera para ter mesa, o café estava lotado de insta-pessoas vestidas com as roupas da insta-moda. Fotografavam os pratos em cima das cadeiras e, para mim o mais bizarro, chegou ao cúmulo de uma miúda se colocar no meio das pessoas (de pé à espera para se sentar) para fotografar a outra na pose da praxe sentada à mesa a comer a sua panqueca ou a beber o seu sumo verde.


E confesso que no momento em que assisti a isto, tive vergonha alheia. Vergonha de estar ali, de ter uma rede social, de viver esta vida que, por vezes, também me leva para estas insta-coisas.


E o que é que isso faz? Regra geral, não me faz nada. Consigo passar ao lado disto tudo porque tenho outras coisas com as quais me preocupar. Mas também tenho dias em que, ao andar pelo Instagram, tudo isto se torna absolutamente tóxico. 


Porque parece que toda a gente tem uma vida do caraças e eu sou um falhanço. Toda a gente passa a vida a viajar e, quando não estão entre viagens em sítios fantásticos, estão a casar ou a ter filhos ou a lançar livros ou revistas de sucesso ou a ter empregos fantásticos ou a mostrar a sua relação perfeita ou a comprar as suas roupas sem fim, ou a mostrar os seus champôs estúpidos na rua e as suas águas micelares na mala como se não precisassem de trabalhar ou estudar ou, sei lá, construir uma vida… E às vezes sinto como se toda a gente estivesse a viver o sonho enquanto eu contínuo aqui a tentar chegar ao fim do mês com dinheiro para pagar a renda e, ainda assim, manter-me sã.


É por isso que carrego tanto nesta tecla. Hoje em dia sinto que toda a gente vive mais obcecada em ter likes e #ads e roupa e cremes e sapatos para mostrar, do que, sei lá, em viver a sua vidinha, a construir uma carreira e a ser-se feliz. Já ninguém tem objectivos. Todos queremos ser insta-famosos. E batalhamos incrivelmente para chegar a esse fim. Compramos seguidores e enchemos o telefone de app de likes duvidosos e acordamos de manhã a pensar na fotografia que nesse dia vamos – ou temos de – tirar.


Mas tal como Jay Gatbsy, todos estes likes que aparecem e nos fazem sentir populares não são, na verdade, nada.


Quando chegamos casa dos insta-sítios e estamos sozinhos. Quando investimos todo o nosso tempo e dinheiro em criar uma insta-vida virtual que dê likes. Quando temos tantas insta-coisas mas isso não se traduz em felicidade. Quando estamos a ver os likes cair na foto que tirámos com o nosso insta-namorado mas ele não faz amor connosco há dois meses. E a insta-relação que toda a gente acha que é perfeita é, na verdade, uma merda. Mas uma insta-relação com um insta-namorado dá likes e isso compensa tudo o que depois se passa por trás daquela fotografia perfeita. E likes não significam mesmo nada de nada quando nos fotografamos com as nossas insta-roupas mas olhamos ao espelho sem elas e, sem todos aqueles filtros, não gostamos do que vemos. É como: tive um dia de merda. Mas a minha foto teve imensos likes. What a good day.


Toda a nossa vida mudou a partir do momento em que começámos a vivê-la mediante as fotografias que ela pode dar. Somos escravos das redes sociais e nem nos apercebemos. E todos queremos imortalizar as nossas acções diárias mas não fazemos nada digno de ser imortalizado. 


É isso que me faz mais confusão. Todos queremos gritar qualquer coisa ao mundo mas apenas poucos de nós têm algo para gritar. As redes sociais estão cheias de pessoas infelizes que parecem viver uma vida de sonho. E também cheias de pessoas com tudo para ter uma vida tranquila que partilham os problemas que não têm em busca de atenção.


Por vezes estou em casa a um domingo à tarde, tranquila da vida a ler ou a ver um filme e, se passo pelo Instagram, parece que, afinal, estou sozinha quando meio mundo parece estar em festivais, em cafés, em festas, em praias, em viagens. Vivemos numa ânsia de mostrar que estamos melhores que os outros que não admira que, no limite, tanta gente viva deprimida.


E vivemos tão obcecados com nós próprios que fazemos monólogos nos stories. Falamos e falamos e falamos e depois vemos dezenas de vezes o nosso pequeno filme. Falamos para uma audiência vazia ao invés de falarmos com uma amiga. E estamos tão obcecados com esta nossa persona digital – este “eu” que não sou bem eu mas que é mais sexy, mais feliz, mais bonito, mais estiloso, mais interessante – que queremos viver dentro dele. E isso faz com que tiremos mais e mais fotos. E ansiemos por mais e mais likes.


E de repente, todos os dias, aparecem mais e mais instagrammers. Rapazes e raparigas. Multiplicam-se como coelhos. Esta geração acredita piamente que basta tirar umas fotos giras com uns filtros bonitos, num sítio da moda e uma roupa fixe para se ser famoso. E nada mais interessa. Já ninguém se lembra da vida antes das redes sociais. E quem nem sequer viveu essa vida, foi ensinado simplesmente a viver em busca de validação.


Ter sucesso hoje é ter uma marca pessoal e uma rede social cheia de seguidores. Todos somos gurus de alguma coisa. Da maquilhagem, da moda, da auto-ajuda, da meditação, da escrita, do yoga, do desporto, de tudo. Independentemente de termos estudado para isso ou não. Independentemente de termos algo realmente relevante para dar ou não.


No outro dia vi uma frase que dizia: “quando Deus criou o mundo, não era suposto sabermos o que alguém na Austrália anda a fazer a um sábado à tarde”. E isto fez-me imenso sentido. Não era suposto termos acesso a tanta informação de tanta gente e de forma tão descontextualizada.


Não estou com isto a dizer que as redes sociais deviam acabar. Nada disso. Mas depende de cada um de nós ter noção daquilo que partilhamos e a forma como o fazemos, como nos expomos, as mensagens que passamos e o impacto que isso tem na nossa vida real.


Na semana passada fui a um concerto. Não publiquei nada. Não filmei nada. Ninguém soube que lá estive – só a amiga que foi comigo. Apenas vivi o concerto e ouvi a música.

Acho que era a única pessoa na plateia sem um telemóvel no ar.

E isto resume todo este post.

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