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Foto do escritorHelena Magalhães

#7 A nova colega Marilia e o tarot


Nunca fui a tribunal. Imaginava uma sala abismal rodeada de cadeiras, os advogados nas laterais, o juiz ao meio com o seu martelinho para dar a sua sentença. Quase que conseguia sentir o nervosismo, os sussurros, os olhares de quem não sabe o que vai acontecer. A mim, via-me lá sentada a torcer por Mariana. Mas, na verdade, nada disto aconteceu. Depois de Irina nos mostrar a carta que tinha chegado onde constava o diálogo a que todos tínhamos assistido, as ameaças de Satanás e a abertura do processo crime contra ele, os nossos nomes vinham como as testemunhas que Mariana requeria. Mais tarde, recebemos também notificações do tribunal para nos apresentarmos. Claro que isto nunca chegaria a acontecer porque Satanás proibiu-nos de testemunhar o que quer que fosse. Quem sequer ousasse abrir a boca para contar o que tinha ouvido… bem, dá para imaginar que ninguém queria estar nessa posição. E a Mariana sabia. Ela também não precisava de nós para testemunhar porque, vim a saber entretanto, havia um acumular de processos no tribunal de trabalho de antigos trabalhadores. Irina era fantástica a meter toda a gente a par das novidades da chefia. Mas onde é que eu estava enfiada? Acho que só nessa altura comecei realmente a pensar que com esta gente não se brincava. As miúdas da moda que se tinham despedido – Anita e Sofia – foram testemunhar e ambas contaram, com todos os pormenores, o que tinha acontecido naquela noite. Satanás nunca compareceu a nenhuma audiência tendo os seus representantes a negociar por ele. Carlota dizia-me constantemente – e talvez para me acalmar – que Satanás só tinha poder dentro das quatro paredes em que estávamos todos enfiados. Era um homem pequeno, minúsculo de mente, com medo do mundo e aí estava a prova. Nem sequer tinha coragem de enfrentar as consequências dos seus actos, escondendo-se sempre atrás dos advogados e do seu dinheiro. Numa tarde – e depois da última audiência – Anita e Sofia vieram ter connosco. Descemos todas a avenida da Liberdade – até a Maria da recepção, até a Paula do marketing – para um café já quase à entrada do Chiado para não corrermos o risco de sermos vistas e sentámo-nos lá dentro, escondidas do mundo, com Anita e Sofia que nos contaram tudo o que tinha acontecido em tribunal. Foi uma hora de almoço cheia de gargalhadas que rapidamente descambou para o broche noturno e histórias afins. Mas estava realmente feliz com o resultado: Mariana tinha recebido uma indemnização de 25 mil euros. E porra, se calhar devia começar a acumular provas dos emails e mensagens ofensivas que, volta e meia, também recebia. Quiçá um dia – mas esperava solenemente que não – a batata quente me calhasse a mim.

Clarice tinha-se ido embora, a revista andava toda aos trambolhões, Satanás andava mais ausente que nunca e, uma manhã, apareceu uma mulher de calças de fato-de-treino que nos disse que tinha sido contratada para editora. Era a primeira vez que, na verdade, havia esse cargo na redacção e nem eu nem Carlota sabíamos muito bem o que é que isso iria interferir com o nosso trabalho que, a bem ou a mal, já estava mais ou menos organizado dentro daquela loucura em que trabalhávamos. Já conhecíamos o método de trabalho do Satanás, já sabíamos o que ele queria dos artigos e, basicamente, sabíamos o que escrever para ele não nos chatear muito. Meu Deus, até eu, que estava aqui há pouco mais de seis meses, já tinha entrado no registo de toda a gente de fazer o mínimo requerido para ninguém me chatear o juízo. Chamava-se Marilia, tinha cerca de 40 anos e contou-nos que tinha trabalhado no Público, no Expresso e na revista Visão. Achei o currículo dela invejável, tinha experiência em meios editoriais de renome em Portugal e até com alguma credibilidade mas comentei com Carlota que não entendia porque razão tinha vindo aqui parar – ao lixo da imprensa feminina.

     – Então, a redacção são só vocês as duas? – perguntou-nos Marilia, sentada no lugar que adoptou como seu: ao lado da Alice da decoração e de modo a ficar de frente para nós as duas.      – Somos nós as duas já há muito tempo – respondeu Carlota, tomando as rédeas da converseta – havia uma miúda a fazer a beleza mas saiu e não entrou mais ninguém. Assumimos nós o trabalho dela.      – Então, vou só gerir e corrigir o trabalho de vocês as duas? – perguntou, virando-se para Carlota e assumindo imediatamente que não valia a pena falar comigo.      – O que queres dizer com gerir? – questionou Carlota.      – O meu contrato aqui é para editora, ou seja, dirigir a redacção mas pensei que fosse uma equipa grande – respondeu, virando-se para Alice – e tu fazes o quê?      – Escrevo o segmento de decoração – respondeu, olhando-a levemente de lado.      – E tu aí? – virou-se para mim – escreves o quê?      – Agora escrevo a beleza desde que a outra miúda se foi embora mas, na verdade, faço de tudo um pouco – respondi tentando soar o mais simpática possível depois de ela me ter abordado com “e tu aí”.      – Então e ele… chega ou não chega? – perguntou olhando para o relógio.

E começou a lenga-lenga das historietas sobre o Satanás. Marilia só queria saber pormenores sobre Clarice e se ela ia voltar. Questionou se a Vera dentes de rato interferia na redacção, estava boquiaberta com a informação de que Satanás só chegava às seis da tarde, disse logo que tinha dois filhos e não ia ficar a fazer noitadas na redacção e, soubemos depois, iria receber 2500€ por mês. Carlota ficou estupefacta e confidenciou-me que iria falar com ele porque a receber um ordenado milionário esta tipa ia ter que fazer muito mais do que estar sentada na sua cadeirinha a “dirigir” como ela disse. Ao fim do dia, e quando já quase ninguém lá estava, Roberto contou-me e à Paula do marketing – enquanto estávamos as duas sentadas em cima de uma mesa no seu gabinete a conversar – que Satanás estava desesperado porque não tinha cabeça nem pachorra para estar a ler os artigos de cada mês e precisava de alguém basicamente para fazer a revisão de textos e ele ficar livre dessa obrigação. Coitado… passava o dia em casa, chegava às seis tarde e, mesmo assim, não tinha cabeça para… dirigir a sua própria revista.

     – Supostamente, a Clarice tinha voltado para fazer isso – disse Roberto, enquanto imprimia uns documentos quaisquer – iria encarregar-se da redacção e assumir essa responsabilidade.      – A Clarice? Mas ela nem sabe escrever, como é que iria saber fazer a revisão dos textos? Aliás, ela não sabe gerir a vida dela como é que vai gerir uma equipa? – perguntei com uma gargalhada      – Exacto – disse ele – mas o Satanás acreditava que ela só precisava de tempo para se integrar e voltar a ser o que era dantes.      – Eu acho que ela veio com toda a força de antigamente e quem sofreu foi a Mariana – disse Paula – E essa Marilia vai fazer o quê?      – Ela disse que só vinha para cá como editora e não como revisora… e ele aceitou – respondeu Roberto – mas na prática ela vai mesmo ser revisora. Porque se acha que vai decidir e gerir… coitada.      – Então ela acha que vem gerir um departamento mas, na verdade, vai apenas rever os nossos textos? – questionei – é que vou já mandar uma mensagem à Carlota.

Na manhã seguinte, Marilia chegou com uma lista de tarefas que Satanás lhe tinha dado por email e onde constava o que queria que eu e Carlota fizéssemos. Se a partir de hoje Marilia passasse a ser a intermediária entre nós e ele – Jesus – era o melhor que me podia acontecer. A mim calhou-me um artigo absolutamente bizarro: ir a uma consulta com uma (supostamente) famosa bruxa vidente taróloga para escrever sobre isso. Fiquei histérica porque já me estava a imaginar a saber que ia ter 10 filhos e ser milionária.

     – Vocês não vão acreditar – disse ela atónita – ele deu-me aqui dois artigos para fazer. Mas ele está mesmo à espera que eu vá escrever coisas? Eu vim para editora, não para redactora.

Nós as duas não respondemos. Carlota escreveu no computador “ontem falei com ele ao telefone” e tocou-me na perna para olhar para o ecrã dela. Li e sorri-lhe. Quanta conspiração.

Uma segunda-feira, a Paula mostrou-me umas mensagens que o Arnaldo lhe tinha enviado durante o fim-de-semana. Eram sinistras, cheias de mensagens subliminares e na verdade não diziam coisa com coisa. Já toda a gente tinha reparado que passava a vida atrás da Paula e costumávamos gozar a dizer que ele não tinha trabalho – o seu trabalho era mesmo seguir Paula o dia todo. Falar com ela, trazer-lhe pastilhas do café, bolos à tarde, fruta de manhã e inventar todo e qualquer propósito para se sentar no escritório dela a falar de… nada. Desta vez, as mensagens tinham mesmo sido explícitas. Arnaldo dizia que queria levar Paula ao cinema e implorava para ela dizer que sim. E Paula disse-me que não tinha respondido a nenhuma. Toda a gente tinha uma certa empatia com Arnaldo porque não jogava com o baralho todo. Era um tipo alto, de cabelos compridos, encorpado e que vestia todos os dias t-shirts com bonecos apesar de já estar mais perto dos quarenta que dos trinta. Na verdade, eu até gostava dele porque, naquela empresa manicómio, ele era, provavelmente, das pessoas que melhor conseguia manter-se sã. Roberto dizia que, em tempos, Arnaldo tinha sido muito amigo de Satanás. Pelo menos até a mulher o ter deixado e ter-se quebrado qualquer coisa lá dentro. Depois de uma licença forçada para arejar as ideias, Satanás – talvez num dos seus raros momentos de amabilidade para com o próximo – deu-lhe emprego novamente. Cedo percebeu que Arnaldo já não funcionava no departamento comercial e, desde então, ninguém entendia o que é que ele fazia durante todo o dia – além de estar apaixonado por Paula.

Nessa manhã (depois das mensagens), Arnaldo não apareceu. Ninguém conseguia contactá-lo e Irene foi, na hora de almoço, a casa dele ver se estava tudo bem. O carro dele estava lá, ouviam-se barulhos da televisão mas ele simplesmente não abriu a porta. Se ainda tínhamos dúvidas sobre o seu estado de vida ou morte, durante a tarde acabou por dar sinal de vida. Foi mais uma enxurrada de mensagens para Paula que começou a dizer que estava a ser vítima de assédio e ia falar com Satanás. No dia seguinte, e depois de Arnaldo continuar sem aparecer, Satanás chamou-o para ir lá falar com ele. Ninguém sabe o que é que eles falaram mas aí pelas cinco da tarde, o Arnaldo saiu do gabinete do Satanás, aproximou-se de Paula, disse que não aguentava mais e foi-se embora.

E nunca mais voltou.

Mais uma pessoa misteriosamente desaparecida depois de ter trabalho nesta revista. Isto já podia ser um estudo de caso.

Na sexta-feira à tarde saí depois de almoço para ir à fatídica consulta de tarot com a famosa bruxa vidente taróloga do Montijo. Depois de toda a gente me ter assustado que podia ir lá e nunca mais aparecer (dado que esta empresa estava a ficar famosa pelos desaparecimentos) ou que ela podia ver a minha morte nas cartas, decidi que sozinha é que não ia de certeza absoluta. Liguei à minha mãe – quem é que nestas alturas não telefona à mãe? – e fomos as duas, uma mais assustada do que a outra, mas, pelo menos, juntas. A casa era pequena e fomos conduzidas por um corredor para uma divisão, uma espécie de escritório esotérico cheio de cruzes, estátuas de santas e anjos. Só o ambiente em si já era mais ou menos assustador e, confesso, estava a tremer por todo o lado. A senhora começou por falar de forma geral sobre o seu método de leitura, sobre os anjos e os recados que recebia. Eu sei que isto que vou contar pode parecer engodo, absurdo e demasiado fantasioso (como se me estivesse a deixar levar por esta novela digital e já estivesse a entrar em caminhos demasiado estúpidos e sem sentido nenhum) mas não tenho palavras para vos tentar convencer. A nossa conversa foi mais ou menos assim:

     – O que faz? Onde é que trabalha? – perguntou-me.      – Estudei política – respondi, porque não queria dizer que trabalhava numa revista ou ela poderia assumir que estava em missão jornalística.      – E nunca pensou mudar de área? – perguntou.      – Não – respondi a medo.      – As cartas dizem que não vai trabalhar nessa área. O que eu vejo neste momento são folhas e mais folhas e ler e escrever noite dentro. Trabalha de noite?      – Às vezes – estava incrédula e devo ser uma pessoa que facilmente se engana porque já estava quase convencida.      – O que vejo no futuro é que vai trabalhar com escrita e com livros. Não com política. Isto faz-lhe sentido? – perguntou.      – Sim… – disse.      – Vejo que está num emprego onde tem medo. Porque é que tem medo? – perguntou.      – Porque as pessoas são despedidas por dá cá aquela palha – disse-lhe.      – Não vai ser despedida porque será você a despedir-se. Mas não agora – olhou para mim e sorriu – e vai ter muito poder neste emprego.      – Poder como? – perguntei, porque o que me veio à cabeça foi que, sei lá, poderiam drogar-me ou fazer-me uma lavagem cerebral e, sem saber, eu própria também me transformar numa Vera dentes de rato.      – Vai ter poder sobre as suas escolhas, vai ter controlo e trunfos na mão que a vão colocar numa posição privilegiada. Por isso, não tem que ter medo porque, no fim, o poder vai ser seu – respondeu. Fiquei calada porque não tinha entendido nada.      – A mulher dele vai ter medo de si e ele vai menosprezar as suas capacidades e é com isso que vai ter os trunfos – respondeu, vendo o meu silêncio confuso.

Oh meu Deus! Já estava mais do que convencida que esta senhora tinha realmente um dom. Eu ia ter poder. Como? Não fazia ideia. Mas, pelos vistos, ninguém me ia despedir. A conversa depois seguiu pela vida pessoal, futuro, romances e coisas afins que já não interessam para este caso mas saí de lá absolutamente convencida e fã dela.

Na segunda feira, toda a gente queria saber o que a bruxa vidente taróloga me tinha dito. Tive o bom senso de deixar esta historieta do poder só para mim e foquei-me nas coisas que me tinha dito sobre o meu passado, sobre o trabalhar à noite, sobre o escrever, sobre o meu namorado, sobre a minha vida pessoal e todo um rol de temas que deixou toda a gente com o bichinho da curiosidade.

     – Vê lá se escreves isso de forma minimamente interessante – disse-me Marilia depois de ouvir as minhas aventuras sobre a taróloga – não estás aqui para contar uma história sobre o teu namoradinho mas sim para escrever uma peça jornalística e de entretenimento baseado numa experiência pessoal.      – Nem sequer ia escrever sobre o meu namoradinho – disse-lhe, revirando os olhos.      – Pelo que te ouvi contar aqui às pessoas, estou com dúvidas que isto se torne num artigo de jeito – disse ela – estás demasiado excitada e sem capacidade para passar um lado imparcial que é o que o jornalista deve ter. Mas, é verdade, tu não sabes o que isso é.

Não respondi porque, desde que tinha chegado, Marília tinha feito de mim o seu alvo e eu nem percebia muito bem porquê. Nunca tinha sido antipática com ela, tinha-a tratado bem desde a sua chegada e mostrado respeito porque era, na teoria, a minha superior. E ela tinha entrado a matar com a conversa da editora e do gerir a redacção. Veio cheia de fogo e pujança a debitar ordens e a dar opiniões sobre a forma como trabalhávamos. E eu tinha mostrado respeito pelo seu cargo, deixando-a coordenar o meu próprio trabalho sem ai nem ui. E ela, ainda assim, continuava a tratar-me como se fosse descartável e tudo o que eu fizesse fosse estúpido – principalmente, depois de saber que não tinha estudado jornalismo. Estava constantemente a lembrar-me disso como se tudo o que eu fizesse e que, aos seus olhos, não estivesse bem fosse única e exclusivamente pelo simples facto de que eu estava a trabalhar no sítio errado porque, no final do dia, nem sequer era jornalista e não devia estar ali.

Dizia-me coisas como: escreves com demasiadas bengalas, não tens rigor jornalístico, parece que estás a escrever um diário e não um artigo… E uma vez tive que lhe dizer: mas foi isso que fez com que o Satanás me contratasse, porque eu falo directamente à leitora. Escrevo à minha própria maneira. Se calhar não é como tu escreves mas ele gosta e é apenas isso que interessa porque é ele que me paga o ordenado.

Ela respondeu-me: vamos ver se ele continua a gostar durante muito mais tempo…

Contei isto a Carlota que me disse para não lhe dar ouvidos e continuar a fazer o meu trabalho da forma como sempre tinha feito porque era isso que Satanás queria. Nessa altura, lembro-me de pensar: mas estou preocupada porquê? Eu vou ter poder. Eu vou ter controlo. Ninguém me vai despedir. E ri-me sozinha até. Na verdade, não acreditava em nada daquela consulta de tarot e até brincava com as coisas que me tinha dito. Mas dentro de mim, houve algo que mudou mesmo que, na altura, não me tivesse apercebido: deixei de viver em medo e de sofrer por antecipação. Estava constantemente a pensar em tudo o que de mau já tinha vivido aqui e nas coisas que tinha visto Satanás e Clarice fazer, sempre na iminência de que, um dia, era comigo que iria acontecer. E passei a rir-me. Qualquer coisa que acontecia, eu dizia para mim: precupar-me para quê? Vou ter poder. E ria-me comigo própria. Na altura, não conseguia ver as coisas de uma forma tão desprendida como vejo agora. Tudo ali se vivia de uma forma três vezes mais intensa. O impacto do que acontecia era muito maior do que aquele que hoje sinto à distância com que escrevo isto.

Mas houve apenas uma única coisa que me manteve sã naquele inferno: a bruxa vidente taróloga disse que eu ia ter poder. E mesmo que me risse e gozasse, dentro de mim agarrei-me com todas as forças a essa previsão meio estúpida. E hoje acredito que foi isso que me fez sobreviver ali – a fé naquela previsão.

Mas caaaaaaalma, duvidei disso mil e umas vezes. Acreditei que ia ser despedida. Chorei por antecipação por não entender porque razão aquelas coisas tinham de estar a acontecer-me a mim. Ou quando recebia mensagens no telemóvel às quatro da manhã. Ou quando, em viagens de trabalho, o Satanás me assediava de meia em meia hora com mensagens ofensivas. Ou quando me enviava emails escritos a vermelho e com letra maiúscula onde me chamava atrasada mental e burra de merda. Ou quando furou os pneus do carro de uma colega (talvez incentivado por Clarice, dado que furar pneus é a sua praia) para ela se despedir. Ou quando tirou o computador a Paula e ela ficou um mês inteiro com uma folha e uma caneta durante à frente. Ou quando comecei a receber mensagens da Clarice a chamar-me puta. Mas isto já são outros capítulos mais à frente.

Uma hora de almoço ia a sair com Carlota para irmos almoçar ao Chiado e, quando chegámos à porta do escritório (que estava encostada), ouvimos Marilia lá fora no átrio a falar ao telefone enquanto esperava pelo elevador. Fiz sinal a Carlota para parar e ficámos à escuta.

     – Esta empresa é uma comédia – dizia ela a alguém do outro lado da linha – espera só mais um tempo porque vou fazer com que estas duas sejas despedidas e vêm vocês para cá trabalhar. Uma delas nem sequer é jornalista, vê lá tu… De certeza que consigo convencê-lo a pagar-vos bem…

Carlota e eu olhámos uma para a outra de boca aberta.

26 mil Horas Sem Matar o Patrão é uma crónica life-fiction que retrata o dia-a-dia numa revista. Toda e qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Todas as segundas-feiras irá sair um novo capítulo.

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