Grande parte da nossa cultura cria em nós a expectativa de que a vida é suposto ser um dia feliz na piscina a apanhar sol, a beber uma Margarita e a ler um livro – sem preocupações. Mas a vida real está longe de ser este cenário em todas as áreas da nossa vida. Temos patrões horríveis, ficamos presos em empregos que odiamos, temos famílias disfuncionais, problemas de dinheiro e, na vida a dois, esperamos pores-do-sol, flores, caixas de chocolate e viagens a Paris. Esperamos encontrar alguém que nos salve de todos os nossos problemas embora, muitos de nós, tenhamos experienciado negativismo na relação dos nossos pais durante a nossa juventude – mesmo assim, em alguma fase da vida, todos já acabámos entupidos de expectativas românticas irreais.
Quão diferente seria a nossa vida se, juntamente com ciências da natureza e história, tivéssemos aprendido sobre relações (e isso inclui um manual sobre saber amar)? A maioria das pessoas não se lembra de nada sobre os aminoácidos e as datas históricas são para os jogos do Trivial – mas estamos em relações intimas durante décadas, se não durante toda a nossa vida, e recebemos pouca ou nenhuma orientação sobre como lidar com elas.
É cliché, eu sei, mas as relações são difíceis. Muuuuuuito difíceis. Implicam compromisso, dedicação, trabalho e fazermos coisas pelo bem-estar de outra pessoa além de nós próprios. E, ao contrário, do que a nossa cultura nos tenta impingir, o amor não é um sentimento. Amor é agir. Não gostamos de uma pessoa quando estamos a 700km e a sua companhia virtual nos dá algum conforto à solidão. Gostamos dela quando voltamos e só queremos a sua companhia real.
A partir do momento em que aceitamos que todas estas expectativas são idiotas e amor é muito mais que nos sentirmos plenamente felizes e completos a tooooda a hora, talvez assim seja mais fácil conectarmo-nos aos outros. Na minha opinião, acho que assim é mais fácil, acima de tudo, não magoarmos os outros.
E eu estou longe de ser uma expert (não me atirem já com pedras) mas entre o que tenho lido e o que tenho vivido, posso dizer-vos que se, quando chegássemos à adolescência, nos entregassem um manual sobre amor, muitas relações/casamentos seriam salvos.
Alguns dos lembretes que iríamos reter para o resto da vida seriam:
Vai haver alturas em que nos vai apetecer mandar tudo à merda.
Mas nessas alturas, normalmente, é quando aprendemos mais sobre a nossa relação.
Não nos vamos sentir apaixonadas pelo nosso parceiro a tooooooda a hora. Há momentos em que precisamos de estar separados pelo bem da sanidade mental de um casal.
Vamos sentir-nos sozinhas, por vezes.
E irritadas, cansadas e fartas dele também.
O sexo também precisa de empatia.
E vai sempre haver alguém que quer mais do que tem.
Os mitos sobre sexo? Nem sei por onde começar – se não têm sexo 3 ou 4 noites por semana, não, não há nada de errado convosco.
E, por vezes, poderemos perguntar-nos se não existe outra pessoa melhor algures por aí.
Mas, na maioria das vezes, não passa disso mesmo: pensamentos.
Não nos vamos sentir atraídas pelo nosso parceiro toooodos os dias. E isso é normal. O amor vai muito mais que atracção física e todos temos dias bons e dias maus.
Vai haver noites em que vamos querer sair e esconder a aliança.
E isso não significa que já não gostamos dele. Sentirmo-nos desejadas faz bem à alma.
Não somos siameses – não temos de fazer tuuudo igual nem gostar das mesmas coisas.
E deixarmos de “gostar” de cinema porque agora “gostamos” de teatro não é saudável.
Romance não são só rosas, jantares à luz das velas e viagens surpresa a Paris.
Mas fazer um sorriso verdadeiro nos jantares de família chatos, limpar o gelo do vidro do nosso carro de manhã enquanto tomamos o pequeno-almoço e deixar-nos o último iogurte de pedaços de morango também.
Ter dúvidas, por vezes, não significa que não se gosta.
Porque o medo faz parte da nossa vida. E da nossa relação também.
E o medo manifesta-se de inúmeras maneiras.
Por vezes vamos querer outra relação, outra coisa e outra pessoa. Nessas alturas faz bem ter consciência da perda e do que isso significaria para nós.
O amor alterna entre sentirmo-nos conectados e desconectados.
E os momentos de desconexão trazem, na sua maioria, medos e dúvidas. Como a 21.
Vamos comparar a nossa relação à dos nossos amigos e pensar que eles são mais felizes que nós.
E o Miguel Araújo tem razão. Os maridos das outras são.
Mas nunca sabemos como são (realmente!) as relações por detrás da porta de casa.
Vamos ver-nos uns aos outros no nosso pior.
Mas muitas vezes isso traz ao de cima o melhor das relações.
Se um homem não vos aceitar nos vossos períodos mais negros, dêem-lhe um chuto no rabo.
Por vezes vamos gritar.
Amuar.
Dizer coisas que não sentimos.
E magoar-nos uns aos outros.
Mas aceitar realidades como estas faz parte da condição de se estar numa relação com outra pessoa.
Bem como aceitar que muita da bagagem que trazemos do passado vai interferir no presente.
Vamos sentir-nos desvalorizadas muitas vezes.
E vamos ter de engolir o orgulho e fechar a boca a todos as coisas más que estão prestes a explodir.
E, voilá, vamos ter de nos calar, não para nosso próprio bem, mas para um bem maior: a relação.
Não há certezas absolutas e vamos ter discussões sem sentido.
Mas vai haver vezes em que vamos ter de pedir desculpa primeiro.
Mesmo que, dentro de nós, não estejamos a sentir que o devamos fazer. Porque gostar de alguém, por vezes, é isso: baixar a guarda.
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