Há certas alturas na vida em que um bom livro nos pode ajudar a pensar as coisas de forma diferente, a relativizar problemas, a ganhar empatia para com os outros ou até a mudar a nossa própria vida. Às vezes pode ser difícil sair dos nossos próprios sentimentos de medo, tristeza, raiva, frustração ou desamparo quando a nossa realidade nos parece demasiado difícil de ultrapassar. Mas é aí que entram os livros e a sua capacidade de nos darem esperança mesmo quando ela parece estar mesmo lá ao fundo do túnel. Um túnel que tem milhas e milhas de distância.
Pensei em partilhar alguns livros que, de alguma forma, tiveram impacto na minha vida. Talvez vos possam ajudar a ganhar uma redobrada auto-confiança, a voltarem a acreditar no amor, a terem coragem e, acima de tudo, a recuperarem a fé na vida, no futuro, na humanidade.
Optei por não colocar nenhum clássico, por assim dizer, porque são normalmente os livros que são associados quando falamos de “leituras obrigatórias” e eu queria explorar outras coisas.
Swing Time de Zadie Smith, Ed. Dom Quixote
Li Swing Time em inglês mas já está traduzido, o que só me dá vontade de voltar a ler. Fala de sonhos, dos objetivos que temos na vida, o poder da amizade e a forma como as nossas raízes nos moldam ao logo da vida. Narra basicamente a história de duas amigas africanas que sonham ser bailarinas mas só uma tem talento. Daí se desenvolve a vida delas e é isso que vamos acompanhando. Dá-nos que pensar sobre as nossas próprias experiências e a forma como nos acompanham a vida toda e moldam as nossas escolhas.
Mataram a Cotovia de Harper Lee, Ed. Relógio D’Água
Há três anos descobriram um manuscrito inédito que se tinha perdido e que foi escrito antes de Harper Lee ter escrito o Mataram a Cotovia e acompanha muitas das personagens vinte anos mais velhas. Já está publicado (Vai e Põe uma Sentinela). Leiam os dois (mas não façam como eu e leiam primeira este). É uma história passada nos anos 30 e fala sobre racismo, o percebermos o mundo que nos rodeia, o preconceito e a coragem da jovem Scout. Ganhou o estatuto de (novo) clássico e estupidamente está aqui mas ainda não o li.
A História de uma Serva de Margaret Atwood, Ed. Bertrand
Foi dos livros mais intensos e, ao mesmo tempo, perturbadores que li. Fala numa sociedade onde as mulheres servem apenas para dar filhos e não têm quaisquer direitos. Coisas simples como ler, ver televisão, ir ao cinema. Não é fantasioso, atenção. É actual e retrata o nosso mundo mas numa versão sem liberdade. Dá-nos que pensar sobre a (nossa) vida que tomamos como garantida. A personagem principal viveu o antes (o nosso mundo) e o atual (o novo mundo deste livro) e leva-nos a sentir o medo, a sua frustração e a sua luta. Absolutamente genial.
Milagre de R. J. Palácio, ed. Asa
Wonder é dos livros mais mágicos que já li. É a história de Paul, uma criança com uma deformação facial e que, aos 10 anos, vai para a escola “normal” onde todas as outras crianças fogem dele, gozam, apontam e atormentam. Nós, leitores, somos forçados a viver as experiências de Paul e a sentir na pele o que é ser diferente. Este é daqueles livros capaz de nos tornar melhores pessoas e a olhar o mundo à nossa volta de forma diferente. A coragem de Paul faz-nos também pensar na nossa vida e na forma como encaramos as coisas que nos acontecem. Ah, e leiam com lenços à mão porque vão chorar muito. As Serviçais de Kathryn Stockett, Ed. Saída de Emergência
Este é dos raros livros em que também amei profundamente o filme. Retrata a história de Skeeter, uma jovem que regressa a casa da faculdade e, ao invés de casar (o que a sua mãe quer), envolve-se na vida de Aibileen e Minny, duas empregadas negras. É profundamente engraçado e cheio de episódios satíricos que espelham tão bem a segregação racial dos anos 60 numa cidade de brancos ricos. Mas também nos mostra como uma única pessoa pode mudar a vida de toda uma comunidade. Skeeter é das personagens femininas mais bem escritas dos últimos tempos e tenho a certeza que este livro se vai tornar um clássico.
A mulher do Viajante no tempo de Audrey Niffenegger, ed. Presença
Absolutamente mágico e bem escrito, conta a história de Henry, um viajante no tempo, e Clare, a mulher que ama. O mais mágico nesta história são os saltos temporais incríveis. Henry em adulto conhece Clare quando ela é criança nas suas viagens no tempo. Ou seja, é o futuro Henry que conhece a criança Clare e lhe diz que eles vão casar. No presente, quando Clare tem 20 anos e está à espera de conhecer o Henry do presente, ele não a conhece porque nunca a viu. Confuso? Têm de ler. É genial, fala sobre amor, sobre a vida e o destino, deixa-nos reflexões para a nossa vida. O Rapaz do Pijama às Riscas de John Boyne, Ed. Asa
É dos livros mais trágicos e intensos que li, passado na II Guerra Mundial. Está escrito pela voz de Bruno, um rapazinho de uma família militar que muda para outra cidade quando o pai ganha um cargo superior. Ao longo da história, vamos vendo todas as coisas que se passam pelos olhos de Bruno, a ingenuidade face à guerra, até que ele encontra uma vedação (de uma campo de concentração) e, do outro lado, um outro rapazinho judeu com quem faz amizade. Conseguimos ler a doçura da forma como duas crianças em situações opostas acabam por gostar uma da outra. E como o destino tem uma força brutal. Para ler com lenços.
O Rouxinol de Kristin Hannah, ed. Bertrand
Outra leitura de guerra mas que nos transporta para a França invadida pelos nazis e para a história de duas irmãs que, sozinhas e separadas, salvam as vidas de imensas pessoas. É dos cenários de guerra mais bem descritos no sentido que somos transportados para lá e fala de paixões, de ideais, de força, de humanidade no meio do terror e, acima de tudo, de compaixão e de marcarmos a diferença no mundo. Li o livro em dois ou três dias completamente arrebatada e em constantes soluços. É daqueles romances para a vida e para ler e reler e reler. O Projecto Rosie de Graeme Simsion, ed. Presença
É uma leitura absolutamente divertida e que me tocou porque fala de Don, um professor de genética inteligente que anda à procura da mulher ideal para casar. Até que conhece Rosie que é totalmente o oposto daquilo que ele considera a mulher ideal. Mas o coração tem razões que o cérebro não compreende e no amor não existe racionalidade. Faz-nos pensar na vida, no estarmos de olhos abertos para as experiências que nos surgem sem as catalogarmos logo. Saiu agora a continuação (O Efeito Rosie) mas ainda não li.
Livre de Cheryl Strayed, ed. Presença
O que mais me tocou neste livro é saber que é um testemunho real, o que nos deixa, em muitas partes, em lágrimas. É a história de Cheryl que, aos 26 anos, e depois de perder tudo e se sentir à beira do abismo, decidiu embarcar numa viagem sozinha e a pé por mais de três mil quilómetros. Este é daqueles livros que nos faz ter fé na vida, na capacidade que o ser humano tem de se reinventar e ultrapassar tudo. Faz-nos, enquanto leitores, fazer o mesmo caminho que ela por uma melhor descoberta de nós mesmos. É daqueles livros que recomendo a toda, toda a gente.
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